domingo, 27 de novembro de 2011

PRESENTE

Queria neste poema a cor dos teus olhos
e queria em cada verso o som da tua voz:
depois, queria que o poema tivesse a forma
do teu corpo, e que ao contar cada sílaba
os meus dedos encontrassem os teus,
fazendo a soma que acaba no amor.

Queria juntar as palavras como os corpos
se juntam, e obedecer à única sintaxe
que dá um sentido à vida; depois,
repetiria todas as palavras que juntei
até perderem o sentido, nesse confuso
murmúrio em que termina o amor.

E queda que a cor dos teus olhos e o som
da tua voz saisem dos meus versos,
dando-me a forma do teu corpo: depois,
dir-te-ia que já não é preciso contar
as sílabas, nem repetir as palavras do poema,
para saber o que significa o amor.
Então, dar-te-ia o poema de onde saíste,
como a caixa vazia da memória, e levar-te-ia,
pela mão, contando os passos do amor.

NUNO JÚDICE, in O ESTADO DOS CAMPOS (Pub. Dom Quixote, 2003)

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