segunda-feira, 16 de março de 2015

QUE NENHUMA ESTRELA QUEIME O TEU PERFIL


Que nenhuma estrela queime o teu perfil
Que nenhum deus se lembre do teu nome
Que nem o vento passe onde tu passas.

Para ti criarei um dia puro
Livre como o vento e repetido
Como o florir das ondas ordenadas.

SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN

domingo, 15 de março de 2015

(A)MAR POR INSTANTES


Hoje acordei
com o desejo de caminhar
pelos teus braços,
submerso num eco
de (a)mar.

Depois de ti
a vida é um instante
feito de palavras
escritas com um tinteiro seco!

ANTÓNIO CARLOS SANTOS, in GEOMETRIA DO AMOR (Seda Pub., 2014)

quarta-feira, 11 de março de 2015

AMANHÃ PROCURO-TE


O dia adormeceu
no desassossego das sombras.


A noite perdeu-se
nos lamentos da madrugada.

Ontem não é o fim
e nada é o que é.

Amanhã procuro-te...
porque é difícil
dizer-te adeus!

Amanhã procuro-te...
porque tudo é mentira
menos tu!

ANTÓNIO CARLOS SANTOS, in GEOMETRIA DO AMOR (Seda Pub., 2014)

quarta-feira, 4 de março de 2015

Dia 281.


Conta comigo sempre. Desde a sílaba inicial até à última gota
de sangue. Venho do silêncio incerto do poema e sou, umas ve-
zes constelação e outras vezes árvore, tantas vezes equilíbrio,
outras tantas tempestade. A nossa memória é um mistério, re-
cordo-me de uma música maravilhosa que nunca ouvi, na qual
consigo distinguir com clareza as flautas, os violinos, o oboé.
O sonho é, e será sempre e apenas, dos vivos, dos que masti-
gam o pão amadurecido da dúvida e a carne deslumbrada das
pupilas. Estou entre vazios e plenitudes, encho as mãos com
uma fragilidade que é um pássaro sábio e distraído que se a-
ninha no coração e se alimenta de amor, esse amor acima do
desejo, bem acima do sofrimento.
Conta comigo sempre. Piso as mesmas pedras que tu pisas,
ergo-me da face da mesma moeda em que te reconheço, con-
tigo quero festejar dias antigos e os dias que hão-de vir, con-
tigo repartirei também a minha fome mas, e sobretudo, repar-
tirei até o que é indivisível.
Tu sabes onde estou. Sabes como me chamo. Estarei presente
quando já mais ninguém estiver contigo, quando chegar a ho-
ra decisiva e não encontrares mais esperança, quando a tua
antiga coragem vacilar. Caminharei a teu lado. Haverá decerto
algumas flores derrubadas, mas haverá igualmente um sol lim-
po que interrogará as tuas mãos e que te ajudará a encontrar,
entre as respostas possíveis, as mais humildes, quero eu dizer,
as mais sábias e as mais livres.
Conta comigo. Sempre.


JOAQUIM PESSOA, in ANO COMUM (Ed. Edições Esgotadas, 2ª ed., 2013)