quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Hoje deitei-me ao lado da minha solidão


Hoje deitei-me ao lado da minha solidão.
O seu corpo perfeito, linha a linha
derramava-se no meu, e eu sentia
nele o pulsar do meu próprio coração.

Moreno, era a forma das pedras e das luas.
Dentro de mim alguma coisa ardia:
o mistério das palavras maduras
ou a brancura de um amor que nos prendia.

Hoje deitei-me ao lado da minha solidão
e longamente bebi os horizontes.
E longamente fiquei até ouvir
o meu sangue jorrar na voz das fontes.

EUGÉNIO DE ANDRADE, in AS MÃOS E OS FRUTOS (1948), in POESIA (Modo de Ler, 2011)

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Te Amo



              



Te amo de uma manera inexplicable
De una forma inconfesable
De un modo contradictorio


Te amo
Con mis estados de ánimo que son muchos
Y cambian de humor continuamente
Por lo que ya sabes,
El tiempo
La vida
La muerta.


Te amo
Con el mundo que no entiendo
Con la gente que no compreende
Com la ambivalencia de mi alma
Con la incoherencia de mis actos
Con la fatalidad del destino
Con la conspiración del desejo
Con la ambigüedad de los hechos
Aún cuando te digo que no te amo, te amo
Hasta cuando te angaño, no te engaño
En el fondo, ilevo a cabo un plan
Para amarte mejor.


Te amo.
Sin reflexionar, inconscientemente,
irresponsablemente, espontáneamente
involutariamente, por instinto
por impulso, irracionalmente
En afecto no tengo argumentos lógicos
ni siquiera improvisados
Para fundamentar este amor que siento por ti,
que surgió misteriosamente de la nada,
Que no ha resuelto mágicamente nada
Y que milagrosamente, de a poco, con poco ya nada
Ha mejorado lo peor de mi.


Te amo.
Te amo con un cuerpo que no piensa
Con un corazón que no razona,
Con una cabeza que no coordina.


Te amo
incomprensiblemente
Sin preguntarme por qué te amo
Sin importarme por qué te amo
Sin cuestionarme por qué te amo


Te amo
sencillamente porque te amo
Yo mismo no se por qué te amo


Pablo Neruda

domingo, 26 de agosto de 2012

APELO


Atravessa os campos da noite
e vem.

A minha pele
ainda cálida de sol
te será margem.

Nas fontes, vivas,
do meu corpo
saciarás a tua sede.

Os ramos dos meus braços
serão sombra romorejante
ao teu sono, exausto.

Atravessa os campos do sono
e vem.

LUÍSA DACOSTA, in "A MARESIA E O SARGAÇO DOS DIAS" (Asa, 2011)

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

ACORDO COM O TEU NOME


Acordo com o teu nome nos
meus lábios — amargo beijo

esse que o tempo dá sem
aviso a quem não esquece.

MARIA DO ROSÁRIO PEDREIRA, in NENHUM NOME DEPOIS (Gótica, 2ª. Ed., 2005)

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Pudesse eu morrer hoje como tu me morreste...



Pudesse eu morrer hoje como tu me morreste nessa noite —
e deitar-me na terra; e ter uma cama de pedra branca e
um cobertor de estrelas; e não ouvir senão o rumor das ervas
que despontam de noite, e os passos diminutos dos insectos,
e o canto do vento nos ciprestes; e não ter medo das sombras,
nem das aves negras nos meus braços de mármore,
nem de te ter perdido — não ter medo de nada. Pudesse

eu fechar os olhos neste instante e esquecer-me de tudo —
das tuas mãos tão frias quando estendi as minhas nessa noite;
de não teres dito a única palavra que me faria salvar-te, mesmo
deixando que eu perguntasse tudo; de teres insultado a vida
e chamado pela morte para me mostrares que o teu corpo
já tinha desistido, que ias matar-te em mim e que era
tarde para eu pensar em devolver-te os dias que roubara. Pudesse

eu cair num sono gelado como o teu e deixar de sentir a dor,
a dor incomparável de te ver acordado em tudo o que escrevi —
porque foi pelo poema que me amaste, o poema foi sempre
o que valeu a pena (o mais eram os gestos que não cabiam
nas mãos, os morangos a que o verão obrigou); e pudesse

eu deixar de escrever nesta manhã, o dia treme na linha
dos telhados, a vida hesita tanto, e pudesse eu morrer,
mas ouço-te a respirar no meu poema.

MARIA DO ROSÁRIO PEDREIRA, in O CANTO DO VENTO NOS CIPRESTES (Gótica Ed., 2001)





NOITE


Noite. Noite em nossa roda. Noite aberta.
E encontramos um silêncio imenso,
Um silêncio perfeito que nos esperava desde sempre,
E uma solidão que era a nossa imagem,
E uma profunda esperança,
Como se a noite tremesse
De tocar a aurora.

SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN, in OBRA POÉTICA (Caminho, 2010)

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

A COR DOS OMBROS DA LUA


aberta na tua mão.
Podia ter sido amor,
e foi apenas traição.

É tão negro o labirinto
que vai dar à tua rua. . .
Ai de mim, que nem pressinto
a cor dos ombros da Lua!

Talvez houvesse a passagem
de uma estrela no teu rosto.
Era quase uma viagem:
foi apenas um desgosto.

É tão negro o labirinto
que vai dar à tua rua...
Só o fantasma do instinto
na cinza do céu flutua.

Tens agora a mão fechada;
no rosto, nenhum fulgor.
Não foi nada, não foi nada:
podia ter sido amor.




DAVID MOURÃO FERREIRA, in À GUITARRA E À VIOLA [OBRA POÉTCA (1980)]

...

Quantas horas te procurei
Neste escuro, nestas noites lunares.
Quantas vezes fechei os olhos
Para te poder ver
Na serenidade dos rios que enlouquecem.
Esquece-te de tudo,
Guarda apenas a certeza
Que o sol brilha
E que os pequenos pássaros de fogo estremecem
Quando os meus olhos se fecham
Para te lembrar.


PAULO EDUARDO CAMPOS, in NA SERENIDADE DOS RIOS QUE ENLOUQUECEM (Amores Perfeitos, 2005)


domingo, 19 de agosto de 2012

PEQUENA ELEGIA CHAMADA DOMINGO

O domingo era uma coisa pequena.
Uma coisa tão pequena
que cabia inteirinha nos teus olhos.
Nas tuas mãos
estavam os montes e os rios
e as nuvens.
Mas as rosas,
as rosas estavam na tua boca.

Hoje os montes e os rios
e as nuvens
não vêm nas tuas mãos.
(Se ao menos elas viessem
sem montes e sem nuvens
e sem rios...)
O domingo está apenas nos meus olhos
e é grande.
Os montes estão distantes e ocultam
os rios e as nuvens
e as rosas.

EUGÉNIO DE ANDRADE, in AS MÃOS E OS FRUTOS (1948), in POESIA (Modo de Ler, 2011)

sábado, 18 de agosto de 2012

TU


Com a noite dos teus olhos
escusava lua e estrelas.

Com a fonte da tua boca
não mais teria sede.

Com a raiz do teu ombro
para quê tecto ou abrigo?

Só a luz me faria falta
para poder olhar-te.

LUÍSA DACOSTA, in A MARESIA E O SARGAÇO DOS DIAS (Asa II, 2011)

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Desperta-me de noite

Desperta-me de noite
O teu desejo
Na vaga dos teus dedos
Com que vergas
O sono em que me deito

É rede a tua língua
Em sua teia
É vício as palavras
Com que falas

A trégua
A entrega
O disfarce

E lembras os meus ombros
Docemente
Na dobra do lençol que desfazes

Desperta-me de noite
Com o teu corpo
Tiras-me do sono
Onde resvalo

E eu pouco a pouco
Vou repelindo a noite
E tu dentro de mim
Vai descobrindo vales.

MARIA TERESA HORTA, in POESIA REUNIDA (D. Quixote, 2000)

INVENTO-TE


Mergulho no teu retrato
e aqui de longe,
saudosa,
beijo-te os lábios

e invento o toque da tua mão
que me mima os seios famintos
e me traz a paz
ao meu aconchego.

Tu não sabes
mas segredo-te gemidos
e deixo que me penetres
em pensamento
e em espasmos
sou néctar da tua boca,
sou alma, sou tua.

Invento-te aqui
e sou verso e teu poema.

VERA SOUSA SILVA, in BIPOLARIDADES (Ed. Lua de Marfim, 2012)




[A BRASA DO TEU CORPO]


A brasa do teu corpo


a queimar a palma
acesa
da mão do meu desejo

MARIA TERESA HORTA, in AS PALAVRAS DO CORPO (Publ. D. Quixote, 2012)

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

O tempo passou por nós, não vês?


Crescemos, tornámo-nos tristes.
No fundo, crescemos.
Perdemos as brincadeiras,
Os sentimentos sem sentido.
Perdemos a inocência,
A leveza das palavras
Que teimámos tantas vezes
Em esconder.
Não existem culpados,
Mas sentimos no nosso corpo
O ardor dos cactos,
Quando as lágrimas,
Queimando o rosto,
Caem desamparadas no chão.
Não há súplica que ecoe
Nos tempos de vidro,
Nas noites de metal,
Que nos ferem o peito.
Venho para dizer-te,
Que já não tenho endereço,
Que já não tenho idade,
Que este já não é o corpo
Onde tantas vezes te escondias.

PAULO EDUARDO CAMPOS, in NA SERENIDADE DOS RIOS QUE ENLOUQUECEM (Amores Perfeitos, 2005)

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

NOCTURNAMENTE


Nocturnamente te construo
para que sejas palavra do meu corpo

Peito que em mim respira
olhar em que me despojo
na rouquidão da tua carne
me inicio
me anuncio
e me denuncio

Sabes agora para o que venho
e por isso me desconheces

(1981)

MIA COUTO, in RAIZ DE ORVALHO E OUTROS POEMAS (Caminho, 2009)

terça-feira, 14 de agosto de 2012

a sala de estar, poema XVI



a minha casa é o tempo
aqui perco a minha vida.

PAULO EDUARDO CAMPOS, in A CASA DOS ARCHOTES (Lua de Marfim, 2011)

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

NO TEU ROSTO


No teu rosto
competem mil madrugadas

Nos teus lábios
a raiz do sangue
procura suas pétalas

A tua beleza
é essa luta de sombras
é o sobressalto da luz
num tremor de água
é a boca da paixão
mordendo o meu sossego

MIA COUTO, in "RAIZ DE ORVALHO E OUTROS POEMAS" (Caminho, 2009)

sábado, 11 de agosto de 2012

O VAZIO DESENHAVA DESDE SEMPRE

O vazio desenhava desde sempre a forma do teu rosto
Todas as coisas serviram para nos ensinar
A ardente perfeição da tua ausência.

SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN, in GEOGRAFIA (Ática, 1967) in OBRA POÉTICA (Caminho, 2010)

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Arte de Amar

Metidos nesta pele que nos refuta,
Dois somos, o mesmo que inimigos.
Grande coisa, afinal, é o suor
(Assim já o diziam os antigos):
Sem ele, a vida não seria luta,
Nem o amor amor.

José Saramago

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

DIA 164


Uma fogueira é sempre uma celebração entre o ar e outra matéria.
Vem. Vamos arder nos braços um do outro. Depois, as cinzas
hão-de espalhar-se pela memória desta noite.

JOAQUIM PESSOA, in ANO COMUM (Litexa, 2011)

domingo, 5 de agosto de 2012

SEM TI


E de súbito desaba o silêncio.

É um silêncio sem ti,
sem álamos,
sem luas.

Só nas minhas mãos
ouço a música das tuas.

EUGÉNIO DE ANDRADE, in CHUVA SOBRE O ROSTO, (Modo de Ler/Ed. Afrontamento, 2009)

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Porque é Tão Ansiosamente que Espero por Ti?

Porque é tão ansiosamente que espero por ti?
Sabias ocultar entre os teus menores movimentos
a lembrança de um corpo e de um ardor sem música
nem esquecimento possível. Quantas cidades
atravessámos, quantos «grandes são os desertos e tudo é deserto»,
quanto alimento para os cães da memória! Deixa-os,
consente o esquecimento, solta com raiva das tuas veias
a música, regressa ao lugar donde partiste. Peço-te,
regressa. Nós nunca acordamos conformes,
nenhuma cifra nos devolverá o número mágico,
vestimo-nos sem convicção e pedimos emprestadas
fórmulas antigas. Da nossa idade
guardámos alguns emblemas, alguns maneirismos.
Acredita-me: é o momento de nos abandonarmos
à necessidade, de açularmos os cães, de sermos nós mesmos
um inquietante rosnido entre as frestas do muro.
Regressemos, não há Ítaca possível, os corpos desfizemo-los
na mesma erosão do seu mágico movimento.
Porque é tão ansiosamente que espero por ti
se nenhuma luz mais cabe no terror de mim?

Luis Filipe Castro Mendes, in "Seis Elegias"

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Tinta Verde







Tinta verde dos teus olhos
Escreve torto no meu peito
Amores tenho eu aos molhos
Se pró teu me faltar jeito

No meu peito escreve torto
Na minha alma a dar a dar
Nunca mais eu chego ao Porto
Se lá fôr por este andar

Nunca mais eu chego ao Porto
Ao porto de Matosinhos
Adeus verde dos teus olhos
Estão cá outros mais escurinhos


Vitorino