sexta-feira, 23 de novembro de 2012

NÓS DOIS


Sinto tanta saudade de você
Sinto tanto o teu corpo em mim
Que agora
E a todo o momento
Sinto sempre a saudade
De nós dois.

CARLOS EDUARDO LEAL, in A SEDE DA MULHER (E DE UM HOMEM), (editado no Brasil, s/ data)

INCONGRUÊNCIA


Espero-te para que me abraces
Com tuas asas gigantes.
As mesmas com que me limpas
As lágrimas que correm em torrente.
Mas afasto-te bruscamente,
Como se te odiasse, de repente...
Quero-te e não te quero,
Desejo-te e não te quero,
Desejo-te e detesto-me por isso
Choro por ti e…a raiva invade-me...
Quero avidamente as tuas asas gigantes.
Volta! Choremos juntos...
Esqueçamos essa revolta que nos cega,
Ilusória, louca, imensa...
Unamo-nos! Abracemo-nos, Fortemente
E com a mesma fogueira, que outrora
Nos feria, nos doía, nos enlouquecia!
Espero-te para que me abraces,
Com tuas asas gigantes.

GUIOMAR CASAS NOVAS, in PALAVRAS NOSSAS - COLECTÂNEA DE NOVOS POETAS PORTUGUESES (Esfera do Caos, 2011)

IV


Dá-me a tua mão por cima das horas.
Quero-te conciso.
Adão depois do paraíso
errando mais nítido à distância
onde te exalto porque te demoras.

NATÁLIA CORREIA, in POEMAS (1955), in POESIA COMPLETA - O SOL NAS NOITES E O LUAR NOS DIAS (Dom Quixote, 2007)

domingo, 18 de novembro de 2012

PODIA DIZER-TE HOJE


Podia dizer-te hoje,
Que nunca te deixei.
Por nenhum momento.
Ouvia-te chorar dentro de ti.
E as tuas lágrimas
Inundavam as planícies, negras
E acidentadas, do meu corpo
Pela erosão dos teus dias.
Já não tenho lugar
No silêncio onde moram as gaivotas,
Nem na tua pele, onde dantes,
Desenhava constelações.
Já não deixamos as roupas
Debaixo dos luares
Dos nossos corpos,
Nem sentimos o galopar
Dos nossos corações,
Por entre bosques
E lábios de silêncio.

PAULO EDUARDO CAMPOS, in NA SERENIDADE DOS RIOS QUE ENLOUQUECEM (Amores Perfeitos, 2005)

sábado, 17 de novembro de 2012

ANTES DE SER PEDRA


Houve um tempo
Em que eu não era feito pedra,
Era capaz de abrir os braços
E expor o peito aberto.
Mas isso foi antes,
Antes de tudo,
Antes da memória que me dói na alma
De trazer tudo comigo,
De já não saber estender-te a mão
Ignorando o que virá depois.

Já não sei amar sem ser pela metade
As minhas mãos
Fechadas sobre o meu peito como grades,
Não sei se para guardar.

ANA BRILHA, in A APOLOGIA DO SILÊNCIO (Ed. autor, 2012)

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

TU ENSINASTE-ME A FAZER UMA CASA


Tu ensinaste-me a fazer uma casa:
com as mãos e os beijos.
Eu morei em ti e em ti meus versos procuraram
voz e abrigo.
E em ti guardei meu fogo e meu desejo. Construí
a minha casa.
Porém não sei já das tuas mãos. Os teus lábios perderam-se
entre palavras duras e precisas
que tornaram a tua boca fria
e a minha boca triste como um cemitério de beijos.

Mas recordo a sede unindo as nossas bocas
mordendo o fruto das manhãs proibidas
quando as nossas mãos surgiam por detrás de tudo
para saudar o vento.

E vejo teu corpo perfumando a erva
e os teus cabelos soltando revoadas de pássaros
que agora se recolhem, quando a noite se move,
nesta casa de versos onde guardo o teu nome.

JOAQUIM PESSOA, in OS OLHOS DE ISA (Litexa, 1983)

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Lutaram corpo a corpo com o frio
Das casas onde nunca ninguém passa,
Sós, em quartos imensos de vazio,
Com um poente em chamas na vidraça.

SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN. in POESIA (1944), in OBRA POÉTICA (Caminho, 2010)

DE ONDE ME CHEGAM ESTAS PALAVRAS?


De onde me chegam estas palavras?

Nunca houve palavras para gritar a tua ausência

Apenas o coração
Pulsando a solidão antes de ti
Quando o teu rosto dóia no meu rosto
E eu descobri as minhas mãos sem as tuas
E os teus olhos não eram mais
que um lugar escondido onde a primavera
refaz o seu vestido de corolas.

E não havia um nome para a tua ausência.

Mas tu vieste.

Do coração da noite?
Dos braços da manhã?
Dos bosques do Outono?

Tu vieste.
E acordas todas as horas.
Preenches todos os minutos.
acendes todas as fogueiras
escreves todas as palavras.

Um canto de alegria desprende-se dos meus dedos
quando toco o teu corpo e habito em ti
e a noite não existe
porque as nossas bocas acendem na madrugada
uma aurora de beijos.

Oh, meu amor,
doem-me os braços de te abraçar,
trago as mãos acesas,
a boca desfeita
e a solidão acorda em mim um grito de silêncio quando
o medo de perder-te é um corcel que pisa os meus cabelos
e se perde depois numa estrada deserta
por onde caminhas nua
como se estivesses triste.

JOAQUIM PESSOA, in OS OLHOS DE ISA (Litexa Editora, 1983)



O meu tempo é eterno


O meu tempo é eterno.
Habito os céus
Que as aves deixaram vazios
Há já tanto tempo.
Talvez não saibas
Que povoas os meus pensamentos,
Que tomas forma nos meus sonhos.
Quando te vier buscar
Tomarei tuas mãos,
Trocaremos palavras
Pela eternidade do nosso olhar…
Eu sou o anjo do desespero.

PAULO EDUARDO CAMPOS, in NA SERENIDADE DOS RIOS QUE ENLOUQUECEM (Amores Perfeitos, Vila Nova de Famalicão, 2005)

sábado, 10 de novembro de 2012

MAIS UMA NOITE, AMOR


Mais uma noite, amor. Ao recordar-te
retomo os fins do mundo, a cinza, os dias
manchados de outras lágrimas. Sabias
como eu a cor das sombras, essa arte

que nos engana agora e se reparte
por esquinas e cafés. Já não me guias
os muitos passos vãos, as fantasias
da minha falsa vida. Vou deixar-te

fugindo-me. Na chuva, sem ninguém,
apenas alguns vultos, o que vem
«e dói não sei porquê» -este deserto

onde te vejo, imagem outra vez,
até de madrugada. O que me fez
sentir o muito longe aqui tão perto?

FERNANDO PINTO DO AMARAL, in A ESCADA DE JACOB (Assírio & Alvim, 1993 )

SE AO MENOS SOUBESSES O QUE EU NÃO DISSE


Se ao menos soubesses tudo o que eu não disse
ou se ao menos me desses as mãos como quem beija
e não partisses, assim, empurrando o vento
com o coração aflito, sufocado de segredos;
se ao menos percebesses que eram nossos
todos os bancos de todos os jardins;
se ao menos guardasses nos teus gestos essa bandeira de lirismo
que ambos empunhamos na cidade clandestina
Quando as manhas cheiravam a óleo e a flores
e o inverno espreitava ainda nas esquinas como uma criança tremendo;
se ao menos tivesses levado as minhas mãos para tocar os teus dedos
para guardar o teu corpo;
se ao menos tivesses quebrado o riso frio dos espelhos
onde o teu rosto se esconde no meu rosto
e a minha boca lembra a tua despedida,
talvez que, hoje, meu amor, eu pudesse esquecer
essa cor perdida nos teus olhos.

JOAQUIM PESSOA, in O PÁSSARO NO ESPELHO (Moraes Ed., 1975)

terça-feira, 6 de novembro de 2012

DESEJO


Queria ser essa noite que te envolve; e
cobrir-te com o peso obscuro dos braços
que não se vêem. Um murmúrio
desceria de uma vegetação de palavras,
enrolando-se nos teus cabelos como
secretas folhas de hera num horizonte
de pálpebras. Deixarias que te olhasse
o fundo do olhos, onde brilha
a imagem do amor. E sinto os teus dedos
soltarem-se da sombra, pedindo
o silêncio que antecede a madrugada.

NUNO JÚDICE, in O ESTADO DOS CAMPOS (Pub. Dom Quixote, 2003)

domingo, 4 de novembro de 2012

Não acabarão nunca com o amor



Não acabarão nunca com o amor,
nem as rusgas,
nem a distância. 
Está provado,
pensado, 
verificado.
Aqui levanto solene 
minha estrofe de mil dedos 
e faço juramento: 
Amo firme, 
fiel 
e verdadeiramente.

Vladimir Maiakovski

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Só o fogo e o mar podem olhar-se


Só o fogo e o mar podem olhar-se
sem fim. Nem sequer o céu com suas nuvens.
Só o teu rosto, só o mar e o fogo.
As chamas, e as ondas, e os teus olhos.

...

Só o teu rosto interminavelmente.
Como o fogo e o mar. Como a morte.

Eduardo Carranza