quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Immense et Rouge


Immense et rouge 
Au-dessus du Grand Palais 
Le soleil d'hiver apparaît 
Et disparaît 
Comme lui mon coeur va disparaître 
Et tout mon sang va s'en aller 
S'en aller à ta recherche 
Mon amour 
Ma beauté 
Et te trouver 
Là où tu es. 

Jacques Prévert

domingo, 23 de outubro de 2016

Abraça-me


Abraça-me. Quero ouvir o vento que vem da tua pele, e ver o sol nascer do intenso calor dos nossos corpos. Quando me perfumo assim, em ti, nada existe a não ser este relâmpago feliz, esta maçã azul que foi colhida na palidez de todos os caminhos, e que ambos mordemos para provar o sabor que tem a carne incandescente das estrelas. Abraça-me. Veste o meu corpo de ti, para que em ti eu possa buscar o sentido dos sentidos, o sentido da vida. Procura-me com os teus antigos braços de criança, para desamarrar em mim a eternidade, essa soma formidável de todos os momentos livres que a um e a outro pertenceram. Abraça-me. Quero morrer de ti em mim, espantado de amor. Dá-me a beber, antes, a água dos teus beijos, para que possa levá-la comigo e oferecê-la aos astros pequeninos.
Só essa água fará reconhecer o mais profundo, o mais intenso amor do universo, e eu quero que delem fiquem a saber até as estrelas mais antigas e brilhantes.
Abraça-me. Uma vez só. Uma vez mais.
Uma vez que nem sei se tu existes.

Joaquim Pessoa, in 'Ano Comum'

sábado, 20 de agosto de 2016

Dia 113. (excerto)


Onde estou, espero por ti e amo-te. Olho para ti,
e o meu olhar beija-te. Canto, e é a ti que canto.
E isso diz-me que, provavelmente, já te amo
desde o tempo em que as estrelas ainda não
repetiam o teu nome.

Joaquim Pessoa, in ANO COMUM

sexta-feira, 19 de agosto de 2016

SEM TI


E de súbito desaba o silêncio.
É um silêncio sem ti,
sem álamos,
sem luas.

Só nas minhas mãos
ouço a música das tuas.

EUGÉNIO DE ANDRADE, in CHUVA SOBRE O ROSTO, (Modo de Ler/Ed. Afrontamento, 2009)

Em nome


Em nome da tua ausência
Construí com loucura uma grande casa branca
E ao longo das paredes te chorei.

SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN, in DUAL (1ª ed., Lisboa, Moraes Editores, 1972), in OBRA POÉTICA (Caminho, 2010; Assírio & Alvim, 2015)

segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Já não se encantarão os meus olhos nos teus olhos


Já não se encantarão os meus olhos nos teus olhos,
já não se adoçará junto a ti a minha dor.

Mas para onde vá levarei o teu olhar
e para onde caminhes levarás a minha dor.


Fui teu, foste minha. O que mais? Juntos fizemos
uma curva na rota por onde o amor passou.

Fui teu, foste minha. Tu serás daquele que te ame,
daquele que corte na tua chácara o que semeei eu.

Vou-me embora. Estou triste: mas sempre estou triste.
Venho dos teus braços. Não sei para onde vou.

…Do teu coração me diz adeus uma criança.
E eu lhe digo adeus.

Pablo Neruda

quinta-feira, 11 de agosto de 2016

FRONTEIRA


Não sei a que sabe a tua boca
desconheço a força dos teus braços
o odor da tua pele
a textura dos teus dedos.
Mas sei o calor da tua voz,
que me aquece, me percorre
e me desperta.

Sei que é em ti que procuro
a água que sacia a minha sede
o sol que ilumina o meu rosto
a ternura que me é recusada
o sonho que me é negado.

Sei que é ténue a linha que separa os nossos corpos,
quando, em pensamento, nos envolvemos
e amamos.

FÁTIMA GUIMARÃES, in A VOZ DO NÓ (ed. da Autora, 2014)

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Ainda não te perdi e já tenho saudades tuas


Ainda não te perdi e já tenho saudades tuas.
Da tua voz. Do teu cheiro. Da tua roupa espalhada
pela casa. A nossa história de tão verdadeira, é fictícia.
Foi animada como uma noitada com amigos. Hoje,
é um caso arquivado. Onde estivemos todos estes anos?
Que diferença faz a indiferença? O nosso entusiasmo
do tamanho do mundo é agora uma aldeia estranha,
um espaço acanhado onde ninguém se reconhece.
Nunca tivemos a coragem de pisar o risco, de trocar
todos os dias por cada um dos nossos dias.
A tua juventude e a minha juventude não voltarão
a tocar-se, vamos a caminho de outro tempo.
Um tempo onde não há tempo para voltar atrás.

Joaquim Pessoa, em "Ano Comum"

quinta-feira, 4 de agosto de 2016

DIA 88


DIA 88

Se pudesse, fazia-te uma casa de vidro.
Se pudesse, fazia-te uma casa de lã.
Se pudesse, fazia-te uma casa de beijos.
Se pudesse, fazia-te uma casa de versos.
Se pudesse, fazia-te.

JOAQUIM PESSOA, in ANO COMUM (Litexa, 2011, 1ª ed.; Edições Esgotadas, 2013)

sexta-feira, 29 de julho de 2016

Estou Mais Perto de Ti porque Te Amo


Estou mais perto de ti porque te amo.
Os meus beijos nascem já na tua boca.
Não poderei escrever teu nome com palavras.
Tu estás em toda a parte e enlouqueces-me.

Canto os teus olhos mas não sei do teu rosto.
Quero a tua boca aberta em minha boca.
E amo-te como se nunca te tivesse amado
porque tu estás em mim mas ausente de mim.

Nesta noite sei apenas dos teus gestos
e procuro o teu corpo para além dos meus dedos.
Trago as mãos distantes do teu peito.

Sim, tu estás em toda a parte. Em toda a parte.
Tão por dentro de mim. Tão ausente de mim.
E eu estou perto de ti porque te amo.

Joaquim Pessoa

quinta-feira, 28 de julho de 2016

Quantas vezes te digo


Quantas vezes te digo
quantas vezes...
que és para mim
o meu homem amado?

O que chega primeiro
e só parte por vezes
antes de perceber
que já tinhas voltado

Quantas vezes te digo
quantas vezes...
que és para mim
o meu homem amado?

Aquele que me beija
e me possui
me toma e me deixa
ficando a meu lado

Quantas vezes te digo
quantas vezes...
que és para mim
o meu homem amado?

Que sempre me enlouquece
e só aí percebo
como estava perdida
sem te ter encontrado.

Maria Teresa Horta

terça-feira, 12 de julho de 2016

Horas, horas, sem fim


Horas, horas, sem fim,
pesadas, fundas,
esperarei por ti
até que todas as coisas sejam mudas.

Até que uma pedra irrompa
e floresça.
Até que um pássaro me saia da garganta
e no silêncio desapareça.

Eugénio de Andrade

domingo, 10 de julho de 2016

Quando vieres


Quando vieres
guarda-me nos teus braços
e ama-me.

Que nenhuma indiferença
torne estranho o teu corpo.
Que nenhuma mágoa feche o teu coração
e que seja a tua boca o começo da alegria
onde beberei
com as palavras e os beijos
a certeza da perfeição do meu destino.
Ama-me.
Quero-te junto à minha voz.

EDGARDO XAVIER, in ESCRITA ROUCA (Insubmisso Rumor, 2016)
COMEÇO DA ALEGRIA

domingo, 3 de julho de 2016

Dia 242


Houve uma ilha em ti que eu conquistei.
Uma ilha num mar de solidão.
Tinha um nome a ilha onde morei.
Chamava-se essa ilha Coração.

Que saudades do tempo que passei.
Nenhum desses momentos foi em vão.
Do teu corpo, de ti, já nada sei.
Também não sei da ilha, não sei, não.

Só sei de mim, coberto de raízes.
Enterrei os momentos mais felizes.
Vivo agora na sombra a recordar.

A ilha que eu amei já não existe.
Agora amo o céu quando estou triste
por não saber do coração do mar.

JOAQUIM PESSOA, in ANO COMUM (Litexa, 2011), (Ed. Edições Esgotadas, 2ª ed., 2013)

quarta-feira, 22 de junho de 2016

XXVI


A solidão é uma ilha de silêncio e neblina,
uma cadeia sem grades, um grito sem voz,
a indiferença de quem, se nos olha, não nos vê.

A solidão amarrota-me quando não estás


EDGARDO XAVIER, in AZUL COMO O SILÊNCIO (Chiado Ed., 2014)

sábado, 18 de junho de 2016

SAUDADE


Há dias em que a saudade é mais alta que os himalaias
mais extensa que um oceano
mais densa que o betão
mais brilhante que o sol
mais transparente que a água
mais frágil que o cristal
mais presente que a própria imagem
mais verdadeira que eu.
Há dias em que a saudade és tu.

TERESA BRINCO DE OLIVEIRA, in LAÇOS DE LUAR E OUTRAS HISTÓRIAS (edita-me, 2014)

segunda-feira, 13 de junho de 2016

Por um olhar, um mundo


Por um olhar, um mundo;
por um sorriso, um céu;
por um beijo...não sei
que te daria eu.

Gustavo Adolfo Bécquer

quarta-feira, 1 de junho de 2016

Palavras que disseste e já não dizes


Palavras que disseste e já não dizes,
palavras como um sol que me queimava,
olhos loucos de um vento que soprava
em olhos que eram meus, e mais felizes.

Palavras que disseste e que diziam
segredos que eram lentas madrugadas,
promessas imperfeitas, murmuradas
enquanto os nossos beijos permitiam.

Palavras que dizias, sem sentido,
sem as quereres, mas só porque eram elas
que traziam a calma das estrelas
à noite que assomava ao meu ouvido...

Palavras que não dizes, nem são tuas,
que morreram, que em ti já não existem
— que são minhas, só minhas, pois persistem
na memória que arrasto pelas ruas.

Pedro Tamen
in “Tábua das Matérias”

terça-feira, 24 de maio de 2016

Quero dizer-te uma coisa simples


Quero dizer-te uma coisa simples: a tua ausência dói-me. Refiro-me a essa dor que não magoa, que se limita à alma; mas que não deixa, por isso, de deixar alguns sinais - um peso nos olhos, no lugar da tua imagem, e um vazio nas mãos. Como se as tuas mãos lhes tivessem roubado o tacto. São estas as formas do amor, podia dizer-te; e acrescentar que as coisas simples também podem ser complicadas, quando nos damos conta da diferença entre o sonho e a realidade. Porém, é o sonho que me traz a tua memória; e a realidade aproxima-me de ti, agora que os dias correm mais depressa, e as palavras ficam presas numa refracção de instantes, quando a tua voz me chama de dentro de mim - e me faz responder-te uma coisa simples, como dizer que a tua ausência me dói.

Nuno Júdice

quarta-feira, 18 de maio de 2016

[ESTOU MAIS PERTO DE TI PORQUE TE AMO]


Estou mais perto de ti porque te amo.
Os meus beijos nascem já na tua boca.
Não poderei escrever teu nome com palavras.
Tu estás em toda a parte e enlouqueces-me.

Canto os teus olhos mas não sei do teu rosto.
Quero a tua boca aberta em minha boca.
E amo-te como se nunca te tivesse amado
porque tu estás em mim mas ausente de mim.

Nesta noite sei apenas dos teus gestos
e procuro o teu corpo para além dos meus dedos.
Trago as mãos distantes do teu peito.

Sim, tu estás em toda a parte. Em toda a parte.
Tão por dentro de mim. Tão ausente de mim.
E eu estou perto de ti porque te amo.

JOAQUIM PESSOA, in OS OLHOS DE ISA [edição especial, Litexa Editora (1983)]; O POETA ENAMORADO (Ed. Esgotadas, 2015)

domingo, 15 de maio de 2016

QUASE SEMPRE


Por vezes a tua voz
E as tuas mãos
Aquecem-me
Acendem-me
Quando me tocam
Quase me despem
Depois basta-me uma só palavra
Um sorriso
Um pequeno gesto
Ou até mesmo
Apenas o silêncio
O estares tão perto
E então
Durante esse teu oferecer
Por vezes
Anoitece

É quando tudo
O tudo entre nós
Acontece...
Quase sempre.

JOSÉ GABRIEL DUARTE, in AS CORES DO DESEJO - POEMAS IMPROVÁVEIS (Versbrava, 2014)

sexta-feira, 13 de maio de 2016

saber o que és, dizer o teu corpo


saber o que és, dizer o teu corpo,
ouvir-te num breve instante,
dizer o que é amor sem o dizer,
tirar de mim um poema que te cante;

e ver passar-te por entre os dedos
o fio de luz que prende os teus olhos,
e vê-lo enrolar-se em segredos
quando a tua voz o apaga e acende;

tocar-te os lábios num fim de verso,
ver-te hesitar entre sorriso e mágoa,
perguntar se o teu rosto tem reverso,

e ter nele uma transparência de água:
é o que vejo em ti no cair de véu
em que me dás a terra que vale o céu.

Nuno Júdice

quinta-feira, 12 de maio de 2016

Agora eu era linda outra vez


Agora eu era linda outra vez
e tu existias e merecíamos
noite inteira um tão grande
amor

agora tu eras como o tempo
despido dos dias, por fim
vulnerável e nu, e eu
era por ti adentro eternamente

lentamente
como só lentamente
se deve morrer de amor

valter hugo mãe
in "O Resto Da Minha Vida seguido de A Remoção das Almas"

domingo, 1 de maio de 2016

DESISTE


Quando o peito não cabe
dentro do peito.

Quando o coração se passeia
pelo corpo todo.

Quando a garganta está cheia de automóveis
como uma cidade à hora de ponta.

Quando o cérebro tem um LP riscado.

Quando o futuro tem um só segundo.

Quando as paredes contam histórias
e o telefone soma silêncios.

Quando nos olhos
não pára de chover.

Desiste.

NUNO GUIMARÃES (Poema escrito no dia 25 de Abril 2013),
in https://www.facebook.com/…/poesia-minha-des…/584925958198635

sábado, 30 de abril de 2016

Em nome da tua ausência


Em nome da tua ausência
Construí com loucura uma grande casa branca
E ao longo das paredes te chorei.

Sophia de Mello Breyner Andresen
in 'Orpheu e Eurydice'

quarta-feira, 27 de abril de 2016

AMOR DE ONTEM HOJE E SEMPRE


Um amor que não morre
é um amor que se alimenta de lembranças.
Um amor que não morre
é um amor que se regozija no presentem
não esquece o passado e suspira pelo futuro.

Amor, humores, rumores
há algo sempre aí
haverá algo sempre no ar,
sangrando
a imaginar nossos corpos
a silenciar nossas posses
nossas possessividades
ontem, hoje e sempre.

Queria calar o que morre em mim:
o calor dos seus abraços
a esquiva dos seus olhares
a tempestade que inunda
minhas planícies.

Um amor que não morre
é o encontro com a tua voz, com teu corpo
é um amor que se lança ao futuro
com a única certeza daquilo que foi, é e será:
o amor de uma vida inteira.

CARLOS EDUARDO LEAL, in A SEDE DA MULHER (E DE UM HOMEM), (editado no Brasil, s/ data)

domingo, 24 de abril de 2016

Deita-te aqui - esta noite, dentro de mim


Deita-te aqui - esta noite, dentro de mim,
está tanto frio. Se fores capaz, cobre-me de
beijos: talvez assim eu possa esquecer para
sempre quem me matou de amor, ou morrer
de uma vez sem me lembrar. Isso, abraça-me

também: onde os teus dedos tocarem há uma
ferida que o tempo não consegue transportar.
Mas fecho os olhos, se tu não te importares, e
finjo que essa dor é uma mentira. Claro, o que

quiseres está bem - tudo, ou qualquer coisa,
ou mesmo nada serve, desde que o frio fique
no laço das tuas mãos e não regresse ao corpo
que te deixo agora sepultar. Não sentes frio, tu,

dentro de mim? Nunca nevou de madrugada no
teu quarto? Que país é o teu? Que idade tens?
Não, prefiro não saber como te chamas.

MARIA DO ROSÁRIO PEDREIRA, in POESIA REUNIDA (Quetzal, 2012)

quarta-feira, 20 de abril de 2016

MORRER DE AMOR


Morrer de amor
ao pé da tua boca

Desfalecer
à pele
do sorriso

Sufocar
de prazer
com o teu corpo

Trocar tudo por ti
se for preciso.

MARIA TERESA HORTA, in POESIA COMPLETA (Litexa, 1983)

domingo, 17 de abril de 2016

O tempo passa


O tempo passa. O tempo passa e a dor passa. Não passa mas espalha-se. Espalha-se por todo o corpo, espalha-se por todos os dias. A dor espalha-se. A dor não morre mas espalha-se. E o que está mais espalhado é menos intenso. Vale o mesmo mas é menos intenso. Como ter várias pequenas feridas suportáveis em vez de ter uma grande ferida insuportável. É isso o que tempo faz: espalha a dor. Ensina-nos a suportar a dor. A espalmá-la, a dividi-la. Mas nenhum tempo mata a dor.
_________________________________________
Pedro Chagas Freitas, in "In sexus veritas"

sábado, 16 de abril de 2016

...


há um coração no meu peito que te esqueceste de levar.
ou virás de novo. devia perguntar-te se fico à espera.

Valter Hugo Mãe

quinta-feira, 14 de abril de 2016

Nesta curva tão terna e lancinante


Nesta curva tão terna e lancinante
que vai ser que já é o teu desaparecimento
digo-te adeus
e como um adolescente
tropeço de ternura
por ti.

ALEXANDRE O’NEILL, in POESIAS COMPLETAS (Assírio & Alvim, 5ª ed., 2007)

quarta-feira, 13 de abril de 2016

10


Hemos perdido aun este crepúsculo.
Nadie nos vió esta tarde com las manos unidas
mientras la noche azul caía sobre el mundo.

He visto desde mi ventana
la fiesta del poniente en los cerros lejanos.

A veces como una moneda
se encendía un pedazo de sol, entre mis manos.

Yo te recordaba con el alma apretada
de esa tristeza que tú me conoces.

Entonces dónde estabas?
Entre qué gentes?
Diciendo qué palabras?
Por qué se me vendrá todo el amor de golpe
cuando me siento triste, y te siento lejana?

PABLO NERUDA, in VINTE POEMAS DE AMOR E UMA CANÇÃO DESESPERADA (D. Quixote, 2007)

segunda-feira, 4 de abril de 2016

Hoje dói-me pensar


Hoje dói-me pensar,
dói-me a mão com que escrevo,
dói-me a palavra que ontem disse
e também a que não disse,
dói-me o mundo.

Há dias que são como espaços preparados
para que tudo doa.

Só deus não me dói hoje.
Será porque ele não existe?

Roberto Juarroz
in Poesia Vertical

terça-feira, 1 de março de 2016

Indelével


Indelével
desenhaste o meu nome
no teu corpo
bastou o suor do desejo
o sal de um beijo
para ele de ti
se apagar
o teu
pintei-o a tinta
e permaneceu
indelével
tatuado a fogo
no meu coração.

FÁTIMA GUIMARÃES, in A VOZ DO NÓ (Ed. de autora, 2014)

domingo, 21 de fevereiro de 2016

Te propongo esta noche llegar a un acuerdo


Te propongo esta noche llegar a un acuerdo,
un diálogo entre mi cuerpo y tu cuerpo
una conversación sin palabras,

Te propongo un pacto de susurros,
una tertulia de gemidos,
un monólogo de gritos,
que todo lo que no dijimos
en la piel permanezca escrito.

Gloria Bosch

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

COMO A SENTIR A TUA CARA RENTE


como a sentir a tua cara rente
à minha e as tuas mãos nas minhas, ou
como se a dança amarguradamente
nos desse nesta noite ainda um slow

levado a medo, apenas a ternura
a conduzir de leve os nossos passos
e o corpo estremecendo-te à procura
do seu lugar na grade dos meus braços

e a luz, fina película de vidros
por entre a frialdade de janeiro,
a trespassar os corações partidos
estranhamente, e o meu sendo o primeiro,

como se não doesse o que doía
na própria dor tingida de alegria.


VASCO GRAÇA MOURA, in IACOONTE, RIMAS VÁRIAS, ANDAMENTOS GRAVES (1995), in POESIA REUNIDA, 2, (Quetzal, 2012)

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Dia 63...

Sobrou a minha culpa. Agora resta ouvir o que tenho para me dizer.
Estou ofendido comigo mesmo.
Noite e dia, a qualquer hora, procuro libertar-me desse
arbusto escuro que tenho enraizado no coração e,
ao longo do cansaço, praticar a lição mais humilde,
como a do camponês que sabe que se estafa por uma colheita pobre.
Por enquanto, a esperança é como um cenário pintado,
frágil, perdido no tempo. Mais luz, mais luz, em vez de ar.
Preciso apenas de luz para viver, para respirar-te.
Esvoaçam na minha lembrança os teus dedos iluminados e,
sobre a minha pele, pequenos pássaros brancos afastam-se a caminho do sul.
Há veredas, no vento, que ainda se lembram de nós,
permanecem perfumadas com os nossos corpos e
surpreendidas com os nossos beijos. Mas sinto-me agora prisioneiro,
com o peso da culpa estatelando-me de costas contra a terra,
fixando a noite e o céu, procurando os contornos do teu rosto
que não consigo enxergar. Já não te encontro em mim,
nem longe de mim. Não é mais que um pequeno consolo,
constatar que as estrelas têm um sorriso parecido com o teu.

Joaquim Pessoa

sábado, 23 de janeiro de 2016

Súplica



Agora que o silêncio é um mar sem ondas,
E que nele posso navegar sem rumo,
Não respondas
Às urgentes perguntas
Que te fiz.
Deixa-me ser feliz
Assim,
Já tão longe de ti como de mim.

Perde-se a vida a desejá-la tanto.
Só soubemos sofrer, enquanto
O nosso amor
Durou.
Mas o tempo passou,
Há calmaria...
Não perturbes a paz que me foi dada.
Ouvir de novo a tua voz seria
Matar a sede com água salgada
 

Amar-te é isto


Amar-te é isto:
uma palavra que está por dizer
uma árvore sem folhas
que dá sombra


Juan Gelman