domingo, 29 de dezembro de 2013

DESPEDIDA


Hão-de erguer-se entre o meu amor e eu
trezentas noites quais trezentos muros
e o mar será magia entre nós dois.

Apenas haverá recordações.
Oh tardes merecidas pela pena,
noites esperançadas ao olhar-te
campos do meu caminho, firmamento
que vejo e vou perdendo...
Definitiva como um mármore,
a tua ausência irá entristecer as tardes.

JORGE LUIS BORGES, in FERVOR DE BUENOS AIRES, in OBRAS COMPLETAS I 1923-1949, trad. de FERNANDO PINTO DO AMARAL (Teorema, 1998)

sábado, 28 de dezembro de 2013

Esgotei o meu mal, agora


Esgotei o meu mal, agora
Queria tudo esquecer, tudo abandonar
Caminhar pela noite fora
Num barco em pleno mar.

Mergulhar as mãos nas ondas escuras
Até que elas fossem essas mãos
Solitárias e puras
Que eu sonhei ter.

SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN, in DIA DO MAR (1947), in OBRA POÉTICA (Caminho, 2010)

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

INCONGRUÊNCIA


Espero-te para que me abraces
Com tuas asas gigantes.
As mesmas com que me limpas
As lágrimas que correm em torrente.
Mas afasto-te bruscamente,
Como se te odiasse, de repente...
Quero-te e não te quero,
Desejo-te e não te quero,
Desejo-te e detesto-me por isso
Choro por ti e…a raiva invade-me...
Quero avidamente as tuas asas gigantes.
Volta! Choremos juntos...
Esqueçamos essa revolta que nos cega,
Ilusória, louca, imensa...
Unamo-nos! Abracemo-nos, Fortemente
E com a mesma fogueira, que outrora
Nos feria, nos doía, nos enlouquecia!
Espero-te para que me abraces,
Com tuas asas gigantes.

GUIOMAR CASAS NOVAS, in PALAVRAS NOSSAS - COLECTÂNEA DE NOVOS POETAS PORTUGUESES (Esfera do Caos, 2011)

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

A MEMÓRIA DE TI CALMA E ANTIGA


A memória de ti calma e antiga
Habita os meus caminhos solitários
Enquanto o acaso vão me oferece os vários
Rostos da hora inimiga

Nem terror nem lágrimas nem tempo
Me separarão de ti
Que moras para além do vento.

SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN, in MAR NOVO (1958) in OBRA POÉTICA (Caminho, 2010)

domingo, 15 de dezembro de 2013

IV


Falamos junto à luz. Lá fora a noite
Imóvel brilha sobre o mar parado.
À sombra das palavras o teu rosto
Em mim se inscreve como se durasse.

SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN, in DUAL (Moraes Ed., 1972), in OBRA POÉTICA (Caminho, 2010)

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

ADIAMENTO


Olhar-te bem nos olhos: que voragem!
Ouvir-te a voz na alma: que estridência!
É tão difícil termos coragem
de nos vermos enfim sem compalcência.

É tão difícil regressar de viagem,
e descobrir no rastro tanta ausência...
Mas os meus olhos, súbito, reagem.
À tua voz chega o silêncio e vence-a.

Nos pulsos vibra ainda o mesmo rio
que no delta dos dedos se extasia
e moroso reflui ao coração.

O gesto de acusar-te? Suspendi-o.
Mas foi só aguardando melhor dia
em que tenha lugar a execução.

DAVID MOURÃO FERREIRA, in INFINITO PESSOAL (Guimarães Ed., 1962), in OBRA POÉTICA (Ed. Presença, 2006)

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

COMO PODEREMOS BEIJAR ESSA BOCA


Como poderemos beijar essa boca que apenas se anuncia
com a suave tristeza de quem ainda ama as sílabas do sangue
ou a lua cálida das velas?
Essa boca talvez seja apenas uma boca de sombra
e quase uma boca de cal
mas a sua forma ainda é uma margem estremecida
uma erva que respira
sobre a pedra azul da melancolia
Que palavra poderá dar um espaço à sua sede
como uma guitarra que lentamente se acende na noite?
Mas no peito frágil como um pássaro palpita ainda um astro
vibrante como uma haste inclinada pelo vento
Ela acaricia a sua crisálida de areia
como se fosse o corpo amante ou uma palavra preciosa
Não posso desenhar o movimento do seu coração
nem encontrar a palavra que fosse um beijo vacilante mas
O meu pulso no entanto estremece
com o rumor de um sangue
que desejaria ser a luz da sua sede

ANTONIO RAMOS ROSA, in AS PALAVRAS (Campo das Letras, 2001)

domingo, 8 de dezembro de 2013

O Amor é o Elixir da Juventude


O amor é um poema. Dói e canta cá dentro. Tem a filosofia das árvores, a lição do mar, os ensinamentos que as aves recolhem quando migram para lá dos desertos, de onde hão-de regressar mais sábias e seguras. O amor é uma causa. Uma luta excessiva com a divindade dos dias e a sua fogueira obscura. Mas também contra o mistério de si mesmo, uma paz que nos dá o cansaço e a loucura infeliz da felicidade, esse primitivo terror dos sinos que tocam como um aviso aos densos nevoeiros súbitos do mar. 

O amor é uma casa. Erguida com os beijos, com os versos da noite e o gemido das estrelas. Casa cujas paredes vestem o nosso júbilo, a nossa intuição, a nossa vontade, sobretudo o nosso instinto e a nossa sabedoria. Onde se acende e brilha a luz suplicante da pele comprometida dos amantes. O amor é um gigantesco pequeno mistério, uma estranha generosidade que faz com que, quanto mais damos, com mais ficamos para dar. 

Só o amor é o elixir da juventude. Não esse que sempre se procurou nas indecifráveis formulas dos antigos livros de magia e de alquimia, mas aquele que está tão perto de nós que, por vezes, o pisamos sem reparar. 

Joaquim Pessoa, in 'Guardar o Fogo'