sábado, 5 de maio de 2018

Fica…


Fica…
Não me abandones os teus silêncios de vidro
onde se exila a tua verdade clara,
não abandones em mim
esses teus lugares suspensos, adormecidos,
onde a madrugada pura se expande em cânticos
de aves azuis.
.
Aguardo-te amanhã,
naquele beiral perto do céu
onde se avista o campo de lilases
semeado com todas as tuas palavras súbitas
para mim.
Fica...

MARIA JOÃO SARAIVA, in RIO DE DOZE ÁGUAS (Coisas de Ler, Ed., 2012)

quinta-feira, 5 de abril de 2018

VII


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Esta noite faço puzzles de ti – junto uma peça e outra, de entre milhares de palavras, gestos, frases, sinais e canso-me na busca incessante daquela combinação de peças que me aquietaria a alma e que eu nem sei qual é. Sinto uma mágoa que dói em mim, como se por isso ela te poupasse da dor de um olhar de raiva que te rasgasse a pele. Mas o eco dessa dor parece-me tão difícil de suportar que prefiro guardá-la dentro de mim, tão silenciada, tão amarrada. Ponho-a cá fora devagar, sobretudo em pensamentos porque estes não magoam, são ar…pensamentos que te constroem e reconstroem em puzzles que buscam histórias que me dêem um lugar, em que não fique nenhuma peça de fora e o final possa ser feliz.

MARIA JOÃO SARAIVA, in A DOR QUE ME DEIXASTE, (Coisas de Ler., 2ª ed, 2011)

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

XI


Olhos postos na terra, tu virás
no ritmo da própria primavera,
e como as flores e os animais
abrirás nas mãos de quem te espera.

EUGÉNIO DE ANDRADE, in AS MÃOS E OS FRUTOS (1948), in POESIA (Modo de Ler, 2011)

Espera


Ainda não chegaste
E já não vens…
E a noite fala-me de ti
Sem te saber,
Procuro no silêncio
Alguma voz
Para as palavras
Que ficaram por dizer.
Amanhã, ao acordar,
Serei só minha,
Sem esperas nem procuras
Apenas eu!
Hoje, deixa-me ser tua
Enquanto é sonho.
Chamar assim por ti,
Sem seres meu!

ANA HOMEM DE ALBERGARIA, in NADA DIREI SOBRE O SILÊNCIO (Edium Ed., 2014)

terça-feira, 23 de janeiro de 2018

SEGREDO


Quebrados
o vazio e o silêncio das águas,
segredo-te
que
o que tenho para te oferecer
nesta tarde apenas desenlaço
na intimidade dos ventos.


LÍLIA TAVARES, in EVOCAÇÃO DAS ÁGUAS (Seda Publ., 2015)

MEDITAÇÃO


Loucura esta
o instante
em que me perco no teu corpo

FÁTIMA GUIMARÃES, in A VOZ DO NÓ (Ed. autora, 2014)

domingo, 14 de janeiro de 2018

ABRIGO


Abrigo-me de ti
de mim não sei
há dias em que fujo
e que me evado
.
há horas em que a raiva
não sequei
nem a inveja rasguei
ou a desfaço
.
Há dias em que nego
e outros onde nasço
.
há dias só de fogo
e outros tão rasgados
.
Aqueles onde habito
com tantos dias vagos.

MARIA TERESA HORTA, in MINHA SENHORA DE MIM, (Ed. Futura, Lisboa, 1974), in in POESIA REUNIDA (Publ. D. Quixote, 2009)