sábado, 30 de abril de 2016

Em nome da tua ausência


Em nome da tua ausência
Construí com loucura uma grande casa branca
E ao longo das paredes te chorei.

Sophia de Mello Breyner Andresen
in 'Orpheu e Eurydice'

quarta-feira, 27 de abril de 2016

AMOR DE ONTEM HOJE E SEMPRE


Um amor que não morre
é um amor que se alimenta de lembranças.
Um amor que não morre
é um amor que se regozija no presentem
não esquece o passado e suspira pelo futuro.

Amor, humores, rumores
há algo sempre aí
haverá algo sempre no ar,
sangrando
a imaginar nossos corpos
a silenciar nossas posses
nossas possessividades
ontem, hoje e sempre.

Queria calar o que morre em mim:
o calor dos seus abraços
a esquiva dos seus olhares
a tempestade que inunda
minhas planícies.

Um amor que não morre
é o encontro com a tua voz, com teu corpo
é um amor que se lança ao futuro
com a única certeza daquilo que foi, é e será:
o amor de uma vida inteira.

CARLOS EDUARDO LEAL, in A SEDE DA MULHER (E DE UM HOMEM), (editado no Brasil, s/ data)

domingo, 24 de abril de 2016

Deita-te aqui - esta noite, dentro de mim


Deita-te aqui - esta noite, dentro de mim,
está tanto frio. Se fores capaz, cobre-me de
beijos: talvez assim eu possa esquecer para
sempre quem me matou de amor, ou morrer
de uma vez sem me lembrar. Isso, abraça-me

também: onde os teus dedos tocarem há uma
ferida que o tempo não consegue transportar.
Mas fecho os olhos, se tu não te importares, e
finjo que essa dor é uma mentira. Claro, o que

quiseres está bem - tudo, ou qualquer coisa,
ou mesmo nada serve, desde que o frio fique
no laço das tuas mãos e não regresse ao corpo
que te deixo agora sepultar. Não sentes frio, tu,

dentro de mim? Nunca nevou de madrugada no
teu quarto? Que país é o teu? Que idade tens?
Não, prefiro não saber como te chamas.

MARIA DO ROSÁRIO PEDREIRA, in POESIA REUNIDA (Quetzal, 2012)

quarta-feira, 20 de abril de 2016

MORRER DE AMOR


Morrer de amor
ao pé da tua boca

Desfalecer
à pele
do sorriso

Sufocar
de prazer
com o teu corpo

Trocar tudo por ti
se for preciso.

MARIA TERESA HORTA, in POESIA COMPLETA (Litexa, 1983)

domingo, 17 de abril de 2016

O tempo passa


O tempo passa. O tempo passa e a dor passa. Não passa mas espalha-se. Espalha-se por todo o corpo, espalha-se por todos os dias. A dor espalha-se. A dor não morre mas espalha-se. E o que está mais espalhado é menos intenso. Vale o mesmo mas é menos intenso. Como ter várias pequenas feridas suportáveis em vez de ter uma grande ferida insuportável. É isso o que tempo faz: espalha a dor. Ensina-nos a suportar a dor. A espalmá-la, a dividi-la. Mas nenhum tempo mata a dor.
_________________________________________
Pedro Chagas Freitas, in "In sexus veritas"

sábado, 16 de abril de 2016

...


há um coração no meu peito que te esqueceste de levar.
ou virás de novo. devia perguntar-te se fico à espera.

Valter Hugo Mãe

quinta-feira, 14 de abril de 2016

Nesta curva tão terna e lancinante


Nesta curva tão terna e lancinante
que vai ser que já é o teu desaparecimento
digo-te adeus
e como um adolescente
tropeço de ternura
por ti.

ALEXANDRE O’NEILL, in POESIAS COMPLETAS (Assírio & Alvim, 5ª ed., 2007)

quarta-feira, 13 de abril de 2016

10


Hemos perdido aun este crepúsculo.
Nadie nos vió esta tarde com las manos unidas
mientras la noche azul caía sobre el mundo.

He visto desde mi ventana
la fiesta del poniente en los cerros lejanos.

A veces como una moneda
se encendía un pedazo de sol, entre mis manos.

Yo te recordaba con el alma apretada
de esa tristeza que tú me conoces.

Entonces dónde estabas?
Entre qué gentes?
Diciendo qué palabras?
Por qué se me vendrá todo el amor de golpe
cuando me siento triste, y te siento lejana?

PABLO NERUDA, in VINTE POEMAS DE AMOR E UMA CANÇÃO DESESPERADA (D. Quixote, 2007)

segunda-feira, 4 de abril de 2016

Hoje dói-me pensar


Hoje dói-me pensar,
dói-me a mão com que escrevo,
dói-me a palavra que ontem disse
e também a que não disse,
dói-me o mundo.

Há dias que são como espaços preparados
para que tudo doa.

Só deus não me dói hoje.
Será porque ele não existe?

Roberto Juarroz
in Poesia Vertical