sábado, 31 de agosto de 2013

Há Palavras que Nos Beijam


Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca.
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.

Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto;
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.

De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas inesperadas
Como a poesia ou o amor.

(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído
No papel abandonado)

Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte.

Alexandre O'Neill, in 'No Reino da Dinamarca'

domingo, 25 de agosto de 2013

Para não Deixar de Amar-te Nunca


Saberás que não te amo e que te amo
pois que de dois modos é a vida,
a palavra é uma asa do silêncio,
o fogo tem a sua metade de frio.

Amo-te para começar a amar-te,
para recomeçar o infinito
e para não deixar de amar-te nunca:
por isso não te amo ainda.

Amo-te e não te amo como se tivesse
nas minhas mãos a chave da felicidade
e um incerto destino infeliz.

O meu amor tem duas vidas para amar-te.
Por isso te amo quando não te amo
e por isso te amo quando te amo.

Pablo Neruda, in "Cem Sonetos de Amor"

INCONFESSÁVEL


... e pelas minhas mãos desfilam todos os desejos ardentes
que o teu olhar silencioso desvendou
num querer inconfessável...

JOÃO CARLOS ESTEVES, in INVENTEI-TE AS MANHÃS (Chiado Editora, 2013, com lançamento a 5 Out.)

sábado, 24 de agosto de 2013

QUANDO PELA NOITE CHEGAS DISSOLVEM-SE AS TREVAS


Quando pela noite chegas dissolvem-se as trevas
e eu partir não quero, porque esta é a noite
que ilumina o dia, canto do silêncio, eco subtil
no discurso do mundo. Quando pela noite chegas
é meu o teu amor, e a morte tarde doce como mel.´

ANA MARQUES GASTÃO, in 366 POEMAS QUE FALAM DE AMOR, org. de VASCO GRAÇA MOURA, org. de Vasco Graça Moura (Quetzal, 2003)

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

6


Este amor está preso aos pés da terra,
o seu caule é de ferro,
cresce na minha boca, estremece e resiste
nas frágeis construções
da nossa antiga, privada, fiel
arquitectura.

ARMANDO SILVA CARVALHO, in DE AMORE (Assírio & Alvim, 2012)

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

J’ai fermé les yeux


J’ai fermé les yeux pour ne plus rien voir
J’ai fermé les yeux pour pleurer
De ne plus te voir.

Où sont tes mains et les mains des caresses
Où sont tes yeux les quatre volontés du jour
Toi tout à perdre tu n’es plus là
Pour éblouir la mémoire des nuits.

Tout à perdre je me vois vivre.

Paul ÉLUARD

domingo, 18 de agosto de 2013

NENHUMA MORTE APAGARÁ OS BEIJOS


Nenhuma morte apagará os beijos
e por dentro das casas onde nos amámos ou pelas ruas
[clandestinas da grande cidade livre
estarão para sempre vivos os sinais de um grande amor,
esses densos sinais do amor e da morte
com que se vive a vida.

Aí estarão de novo as nossas mãos.
E nenhuma dor será possível onde nos beijámos.
Eternamente apaixonados, meu amor. Eternamente livres.
Prolongaremos em todos os dedos os nossos gestos e,
profundamente, no peito dos amantes, a nossa alma líquida
[e atormentada

desvenderá em cada minuto o seu segredo
para que este amor se prolongue e noutras bocas
ardam violentos de paixão os nossos beijos
e os corpos se abracem mais e se confundam
mutuamente violando-se, violentando a noite
para que outro dia, afinal, seja possível.

JOAQUIM PESSOA, in OS OLHOS DE ISA, (ed Esp. Litexa, 1982)

sábado, 17 de agosto de 2013

SOMBRA DO TEU OLHAR


Agora, que retirei uma sombra do teu olhar
a terra parece‐me absurda.
A luz do horizonte expandiu em segredo
uma paz aniquilante…

Não sei como viver um sol
que me sorri rosa!
Amanhã, amanhã talvez consiga
suportar esta sede sombra
nas cores coloridas.

Sigo de pé as ondas que me chamam
pelo mar...

CLÁUDIO CORDEIRO, in UM TUDO NADA ÁGUA (Lua de Marfim, 2012)

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

EXPLICATIO


O gesto mais simples,
capaz de ordenar tudo,
foi o que não fizemos.

JOSE MÁRIO SILVA, in LUZ INDECISA (Oceanos/ Leya, 2011)

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

NOS TEUS BRAÇOS


Nos teus braços,
Morreria
Se ontem fosse amanhã.
Morreria
Por gostar
Da maneira como gostas,
Se caísse em teus braços.
Se os meus braços vacilassem,
Evitaria o teu olhar.
E morreria outra vez
Para poder ter
O motivo de te encontrar.
Nos teus braços,
Morreria.
Novamente…

PAULO EDUARDO CAMPOS, in NA SERENIDADE DOS RIOS QUE ENLOUQUECEM (Amores Perfeitos, 2005)

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Muitas vezes te esperei, perdi a conta


Muitas vezes te esperei, perdi a conta,
longas manhãs te esperei tremendo
no patamar dos olhos. Que importa
que batam à porta, façam chegar
jornais, ou cartas, de amizade um pouco
- tanto pó sobre os móveis tua ausência.

Se não és tu, que me importa?
Alguém bate, insiste através da madeira,
que me importa que batam à porta,
a solidão é uma espinha
insidiosamente alojada na garganta.
Um pássaro morto no jardim com neve.

FERNANDO ASSIS PACHECO, in A MUSA IRREGULAR (Ed. Asa, Porto, 1997)

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Quiero hacer el amor con tacto

Quiero hacer el amor con tacto:
Quiero que nos toquemos con la mirada
Quiero que nos toquemos con los destellos del corazón
Que nos toquemos con el deseo
Que tu deseo toque el mío
Que mi deseo toque el tuyo
Que nos toquemos con la piel
Que nos toquemos con el pensamiento
Que nuestras desinhibiciones toquen nuestras inhibiciones
Que mi ser toque todo el tuyo
Que tu ser toque todo el mío
Así quiero que hagamos el amor:
con tacto...

Pablo Neruda

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

ACORDAR



Hoje acordei com um sabor a mar dentro da boca.
Eram os teus beijos salgados que me revisitavam em ondas que se desfaziam na praia dos meus sentidos...

ANTÓNIO BARROSO CRUZ [esboços do pensamento]

terça-feira, 6 de agosto de 2013

DE ONDE ME CHEGAM ESTAS PALAVRAS?



De onde me chegam estas palavras?

Nunca houve palavras para gritar a tua ausência

Apenas o coração
Pulsando a solidão antes de ti
Quando o teu rosto dóia no meu rosto
E eu descobri as minhas mãos sem as tuas
E os teus olhos não eram mais
que um lugar escondido onde a primavera
refaz o seu vestido de corolas.

E não havia um nome para a tua ausência.

Mas tu vieste.

Do coração da noite?
Dos braços da manhã?
Dos bosques do Outono?

Tu vieste.
E acordas todas as horas.
Preenches todos os minutos.
acendes todas as fogueiras
escreves todas as palavras.

Um canto de alegria desprende-se dos meus dedos
quando toco o teu corpo e habito em ti
e a noite não existe
porque as nossas bocas acendem na madrugada
uma aurora de beijos.

Oh, meu amor,
doem-me os braços de te abraçar,
trago as mãos acesas,
a boca desfeita
e a solidão acorda em mim um grito de silêncio quando
o medo de perder-te é um corcel que pisa os meus cabelos
e se perde depois numa estrada deserta
por onde caminhas nua
como se estivesses triste.

JOAQUIM PESSOA, in OS OLHOS DE ISA (Litexa Editora, 1983)

[NÃO É SONHO AQUILO QUE VIVO]


Não é sonho aquilo que vivo
Quando morro nas horas do sono.
São pedaços eternos de tempo
Que se despedem de mim
E da nudez do meu corpo.
Sofre-me mais uma vez,
O menos possível
E eu corro pelo mar dentro,
Neste quarto escuro,
Onde a noite não me prende
Nem evitou que partisses.
Vem embarcar no silêncio,
De mãos vazias,
Onde tantas vezes
Nos encontrámos.
Percorre comigo
A sombra deste chão
Que já foi nosso
Quando o meu corpo
Era certeza e vento
E o teu, argila e fogo

PAULO EDUARDO CAMPOS, in NA SERENIDADE DOS RIOS QUE ENLOUQUECEM (Amores Perfeitos, 2005)

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Como um fruto que se mostra


Como um fruto que se mostra
Aberto pelo meio
A frescura do centro
Assim é a manhã
Dentro da qual eu entro

SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN, in LIVRO SEXTO (Moraes Ed, 1962) e OBRA POÉTICA (Caminho, 2010)

domingo, 4 de agosto de 2013

TREVAS


O que foi antigamente manhã limpa
Sereno amor das coisas e da vida
É hoje busca desesperada busca
De um corpo cuja
face me é oculta.

SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN, in O CRISTO CIGANO (Minotauro, 1961) in OBRA POÉTICA (Caminho, 2010)

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

OLHOS POSTOS NA TERRA


Olhos postos na terra, tu virás
no ritmo da própria primavera,
e como as flores e os animais
abrirás nas mãos de quem te espera.

EUGÉNIO DE ANDRADE, in AS MÃOS E OS FRUTOS (Fund. Eugénio de Andrade, Porto, 2000)

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Ternura


Desvio dos teus ombros o lençol
que é feito de ternura amarrotada,
da frescura que vem depois do Sol,
quando depois do Sol não vem mais nada...

Olho a roupa no chão: que tempestade!
há restos de ternura pelo meio,
como vultos perdidos na cidade
em que uma tempestade sobreveio...

Começas a vestir-te, lentamente,
e é ternura também que vou vestindo,
para enfrentar lá fora aquela gente
que da nossa ternura anda sorrindo...

Mas ninguém sonha a pressa com que nós
a despimos assim que estamos sós!

David Mourão-Ferreira

Habitas-me


Habitas-me
como a uma casa
de um só quarto
no alto de uma falésia;
Como a ventania
irrompe na floresta, cavando clareiras
ou devagar vai esculpindo luas
nas areias.

LÍLIA TAVARES, in RIO DE DOZE ÁGUAS (Coisas de Ler, 2012)