terça-feira, 30 de outubro de 2012

ACORDO COM O TEU NOME


Acordo com o teu nome nos
meus lábios — amargo beijo

esse que o tempo dá sem
aviso a quem não esquece.

MARIA DO ROSÁRIO PEDREIRA, in NENHUM NOME DEPOIS (Gótica, 2ª ed., 2005), in POESIA REUNIDA (Quetzal, 2012)

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

TENHO FRIO


Tenho frio.
E os teus braços não estão aqui
Para me aquecerem.

PAULO EDUARDO CAMPOS, in NA SERENIDADE DOS RIOS QUE ENLOUQUECEM (Amores Perfeitos, 2005)

sábado, 27 de outubro de 2012

Um beijo




Foste o beijo melhor da minha vida,
ou talvez o pior...Glória e tormento,
contigo à luz subi do firmamento,
contigo fui pela infernal descida!

Morreste, e o meu desejo não te olvida:
queimas-me o sangue, enches-me o pensamento,
e do teu gosto amargo me alimento,
e rolo-te na boca malferida.

Beijo extremo, meu prêmio e meu castigo,                                                                                
batismo e extrema-unção, naquele instante
por que, feliz, eu não morri contigo?

                                                                                 
 Sinto-me o ardor, e o crepitar te escuto,
 beijo divino! e anseio delirante,
 na perpétua saudade de um minuto....

 Olavo Bilac

Agora que o silêncio é um mar sem ondas


Agora que o silêncio é um mar sem ondas,
E que nele posso navegar sem rumo,
Não respondas
Às urgentes perguntas
Que te fiz.
Deixa-me ser feliz
Assim,
Já tão longe de ti como de mim.

Perde-se a vida a desejá-la tanto.
Só soubemos sofrer, enquanto
O nosso amor
Durou.
Mas o tempo passou,
Há calmaria...
Não perturbes a paz que me foi dada.
Ouvir de novo a tua voz seria
Matar a sede com água salgada.

Miguel Torga

Inflama-me, poente: faz-me perfume e chama

Adicionar legenda


Inflama-me, poente: faz-me perfume e chama;
que o meu coração seja igual a ti, poente!
descobre em mim o eterno, o que arde, o que                            ama,
...e o vento do esquecimento arraste o que é doente!


Juan Ramón Jiménez

terça-feira, 23 de outubro de 2012

AGORA EU ERA LINDA OUTRA VEZ


Agora eu era linda outra vez
e tu existias e merecíamos
noite inteira um tão grande
amor

agora tu eras como o tempo
despido dos dias, por fim
vulnerável e nu, e eu
era por ti adentro eternamente

lentamente
como só lentamente
se deve morrer de amor

VALTER HUGO MÃE, in O RESTO DA MINHA VIDA SEGUIDO DE A REMOÇÃO DAS ALMAS (Porto,
Cadernos do Campo Alegre, 2003)

MORRER DE AMOR


Morrer de amor
ao pé da tua boca

Desfalecer
à pele
do sorriso

Sufocar
de prazer
com o teu corpo

Trocar tudo por ti
se for preciso

MARIA TERESA HORTA, in DESTINO ( Quetzal, 1988 )



domingo, 21 de outubro de 2012

Nenhuma Morte Apagará os Beijos

Nenhuma morte apagará os beijos
e por dentro das casas onde nos amámos ou pelas ruas
                               [clandestinas da grande cidade livre
estarão para sempre vivos os sinais de um grande amor,
esses densos sinais do amor e da morte
com que se vive a vida.

Aí estarão de novo as nossas mãos.
E nenhuma dor será possível onde nos beijámos.
Eternamente apaixonados, meu amor. Eternamente livres.
Prolongaremos em todos os dedos os nossos gestos e,
profundamente, no peito dos amantes, a nossa alma líquida
                                                               [e atormentada

desvendará em cada minuto o seu segredo
para que este amor se prolongue e noutras bocas
ardam violentos de paixão os nossos beijos
e os corpos se abracem mais e se confundam
mutuamente violando-se, violentando a noite
para que outro dia, afinal, seja possível.

Joaquim Pessoa, in 'Os Olhos de Isa'

sábado, 20 de outubro de 2012

Completas



A meu favor tenho o teu olhar
testemunhando por mim
perante juízes terríveis:
a morte, os amigos, os inimigos.

E aqueles que me assaltam
à noite na solidão do quarto
refugiam-se em fundos sítios dentro de mim
quando de manhã o teu olhar ilumina o quarto.

Protege-me com ele, com o teu olhar,
dos demónios da noite e das aflições do dia,
fala em voz alta, não deixes que adormeça,
afasta de mim o pecado da infelicidade.

Manuel António Pina, in “Algo Parecido Com Isto, da Mesma Substância”

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

o tempo, subitamente solto


o tempo, subitamente solto pelas ruas e pelos dias,
como a onda de uma tempestade a arrastar o mundo,
mostra-me o quanto te amei antes de te conhecer.
eram os teus olhos, labirintos de água, terra, fogo, ar,
que eu amava quando imaginava que amava. era a tua
a tua voz que dizia as palavras da vida. era o teu rosto.
era a tua pele. antes de te conhecer, existias nas árvores
e nos montes e nas nuvens que olhava ao fim da tarde.
muito longe de mim, dentro de mim, eras tu a claridade.

José Luís Peixoto

Coração sem imagens


Deito fora as imagens,
Sem ti para que me servem
as imagens?

Preciso habituar-me
a substituir-te
pelo vento,
que está em toda a parte
e cuja direcção
é igualmente passageira
e verídica.

Preciso habituar-me ao eco dos teus passos
numa casa deserta,
ao trémulo vigor de todos os teus gestos
invisíveis,
à canção que tu cantas e que mais ninguém ouve
a não ser eu.

Serei feliz sem as imagens.
As imagens não dão
felicidade a ninguém.

Era mais difícil perder-te,
e, no entanto, perdi-te.

Era mais difícil inventar-te,
e eu te inventei.

Posso passar sem as imagens
assim como posso
passar sem ti.

E hei-de ser feliz ainda que
isso não seja ser feliz.

Raul de Carvalho

Todas as rosas são a mesma rosa






Todas as rosas são a mesma rosa,
amor!, a única rosa;
e tudo está contido nela,
breve imagem do mundo,
amor!, a única rosa.

Juan Ramón Jiménez

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Dois amantes felizes não têm fim nem morte


Dois amantes felizes não têm fim nem morte,
nascem e morrem tanta vez enquanto vivem,
são eternos como é a natureza.

Pablo Neruda

Ver-te é como ter á minha frente todo o tempo



Ver-te é como ter á minha frente todo o tempo
é tudo serem para mim estradas largas
estradas onde passa o sol poente
é o tempo parar e eu próprio duvidar mas sem pensar
se o tempo existe se existiu alguma vez
e nem mesmo meço a devastação do meu passado

Ruy Belo

E por vezes as noites duram meses

E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos. E por vezes

encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes

ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos

E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se evolam tantos anos.

David Mourão-Ferreira

Encontro de duas mãos

Encontro de duas mãos
que procuram estrelas,
nas entranhas da noite!

Juan Ramón Jiménez

domingo, 14 de outubro de 2012

INQUIETUDE

Ouço-te silêncio.
Diz-me o que sinto
O que anseio
O que me sufoca!

Esta inquietude permanente
Sem razão aparente de ser
O vazio profundo
Do querer e não querer.
Estou aqui
Vou, não sei onde
De onde venho, não recordo!

Nas horas aladas do desencontro
Fecho as pálpebras da vida
Perfumo de tomilho a alma
E parto, nas pétalas dos lírios brancos.

CECÍLIA VILAS BOAS, in O ECO DO SILÊNCIO (Esfera do Caos, 2012)

sábado, 13 de outubro de 2012

SOMBRAS


Tristezas os olhos
que não têm o brilho de contar,
estão riscados de sombras
como se o rasto dos caminhos
o longe da viagem
fosse, neles, deixando pistas.

Tristezas os olhos
de onde me olhas
detrás de um tempo passado,
o tempo das promessas antigas.

Teus olhos, amado,
são os olhos de alguém
que já morreu
e ainda não sabe.

ANA PAULA TAVARES, in "DIZES-ME COISAS AMARGAS COMO OS FRUTOS" (Caminho, 2011)

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

BEIJO

Nas folhas de papel, onde te escrevo alma minha
Sinto o peso de um amar , na escrita suave dita
Onde somente procuro a realidade paixão tua...
Simbiose plena deste rasgar sonhos ébrios meus.
Neste encontro para lá do sonho, para lá do céu
Muitas vezes metáfora de éden verdejante vivo
Fico na beira da falésia, quase no salto do vazio
Apesar de abraçado no teu olhar, só... no meu ser.
Nasce aqui o grito de exclamar ...rouco...amo-te!
Rasgo mais além o exagero do afecto verdade
E fico em apneia de esperança , do teu vincular...
Minutos passam, tempos perdidos...palavras ocas
Mal estar de sentires...segredos e silêncios dor
E apenas quero, que o teu coração beije o meu !

JOSÉ LUÍS OUTONO, in DA JANELA DO MEU (A)MAR (Ed. Vieira da Silva, 2011)

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Abraça-me


Abraça-me. Quero ouvir o vento que vem da tua pele, e ver o sol nascer do intenso calor dos nossos corpos. Quando me perfumo assim, em ti, nada existe a não ser este relâmpago feliz, esta maçã azul que foi colhida na palidez de todos os caminhos, e que ambos mordemos para provar o sabor que tem a carne incandescente das estrelas. Abraça-me. Veste o meu corpo de ti, para que em ti eu possa buscar o sentido dos sentidos, o sentido da vida. Procura-me com os teus antigos braços de criança, para desamarrar em mim a eternidade, essa soma formidável de todos os momentos livres que a um e a outro pertenceram. Abraça-me. Quero morrer de ti em mim, espantado de amor. Dá-me a beber, antes, a água dos teus beijos, para que possa levá-la comigo e oferecê-la aos astros pequeninos.
Só essa água fará reconhecer o mais profundo, o mais intenso amor do universo, e eu quero que dele fiquem a saber até as estrelas mais antigas e brilhantes.
Abraça-me. Uma vez só. Uma vez mais.
Uma vez que nem sei se tu existes.

Joaquim Pessoa, in 'Ano Comum'

terça-feira, 9 de outubro de 2012

AUSÊNCIA


Não vieste beber a minha sede
na anémona, salina, da minha boca.
Nem a noite
nem a lua te trouxeram.
Nas margens do tempo,
a alga ainda viva e estremecente, do meu corpo
vai murchando. Sequiosa.

LUÍSA DACOSTA, in "A MARESIA E O SARGAÇO DOS DIAS" (Asa, 2011)

domingo, 7 de outubro de 2012

NÃO DIGAS NADA!


Não digas nada!
Não, nem a verdade!
Há tanta suavidade
Em nada se dizer
E tudo se entender —
Tudo metade
De sentir e de ver...
Não digas nada!
Deixa esquecer.
Talvez que amanhã
Em outra paisagem
Digas que foi vã
Toda esta viagem
Até onde quis
Ser quem me agrada...
Mas ali fui feliz...
Não digas nada.

(23-8-1934)
FERNANDO PESSOA, in POESIAS INÉDITAS (1930-1935), [ (Nota prévia de Jorge Nemésio.) Lisboa: Ática, 1955 (imp. 1990)]

sábado, 6 de outubro de 2012

AMOR


o teu rosto à minha espera, o teu rosto
a sorrir para os meus olhos, existe um
trovão de céu sobre a montanha.

as tuas mãos são finas e claras, vês-me
sorrir, brisas incendeiam o mundo,
respiro a luz sobre as folhas da olaia.

entro nos corredores de outubro para
encontrar um abraço nos teus olhos,
este dia será sempre hoje na memória.

hoje compreendo os rios. a idade das
rochas diz-me palavras profundas,
hoje tenho o teu rosto dentro de mim.

JOSÉ LUÍS PEIXOTO, in A CASA, A ESCURIDÃO, (Temas e Debates, 2002)

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Estou Mais Perto de Ti porque Te Amo


Estou mais perto de ti porque te amo.
Os meus beijos nascem já na tua boca.
Não poderei escrever teu nome com palavras.
Tu estás em toda a parte e enlouqueces-me.

Canto os teus olhos mas não sei do teu rosto.
Quero a tua boca aberta em minha boca.
E amo-te como se nunca te tivesse amado
porque tu estás em mim mas ausente de mim.

Nesta noite sei apenas dos teus gestos
e procuro o teu corpo para além dos meus dedos.
Trago as mãos distantes do teu peito.

Sim, tu estás em toda a parte. Em toda a parte.
Tão por dentro de mim. Tão ausente de mim.
E eu estou perto de ti porque te amo.

Joaquim Pessoa, in 'Os Olhos de Isa'

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

BEIJO


quando te beijo o beijo que tu me beijas
é que a flor envolve a terra que toca a flor

e é só a forma de os meus lábios dizerem que sim
e de os teus lábios dizerem que não
que não houve tempo antes de nós

VASCO GATO, in UM MOVER DE MÃO (Assírio & Alvim, 2000)