quinta-feira, 17 de novembro de 2011

I

Preciso escrever-te, ou escrever-me, falar-te ou dizer-te através de mim e tudo isso num tempo intemporal, em que escrevo para a frente apenas porque algo nos faz crer que a vida, ou melhor, que um dia atrás do outro é ir para a frente, sabe-se lá... mas o meu mergulho é para trás, no meu tempo que foi de descoberta, um tempo que se desdobra a partir de outro e de outro... porque é lá atrás que te vou encontrar, é apenas tão-somente lá atrás que te posso resgatar, porque a ideia do amanhã contigo foi-se-me (ou quase); foi-se-me no dia em que abriste os braços para já não me abraçar.
E agora, vou mergulhar, mergulhar num mar de maré cheia, onde toco o que lá vive, um mar que está cá dentro, dentro de mim, onde te vejo e onde navegam todos os afectos que me unem a ti – é neles que vou buscar a forma que dou a estas palavras, com que quero falar-te, dizer-te, baixinho.


MARIA JOÃO SARAIVA, in A DOR QUE ME DEIXASTE (Trilhos ed., 2ª ed, 2011)

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