segunda-feira, 17 de setembro de 2012

DIA 20

A cor do domingo é inspirada. Pequenos peixes impro-
vavelmente florescem dos teus gestos, o teu corpo ex-
tasiado está ainda na minha memória e já não é corpo,
é memória.
Oiço o destino como se ouvem os guisos, os sinos e o
vento. Sei que guardas palavras minhas nos cabelos, as
que não couberam na tua cabeça, mas que estavam já
grávidas de amor.
Essas palavras são o meu ofício e a minha fala.
Não poderei repeti-las. Pertencem a um momento úni-
co, filhas de um fogo puro, intenso e imenso. Com o
barro da sombra vou fazer o sol, construir a casa para
ti, para a tua ausência. Pintá-la com a cor deste domin-
go, madura e abundante.
Vou escrever o mundo e inscrever-te nele, como se, an-
tes de nós, o mundo não tivesse existido.

JOAQUIM PESSOA, in ANO COMUM (Litexa, 2011)

Sem comentários:

Enviar um comentário