quinta-feira, 5 de abril de 2012

Dia 186.

Nesta hora a inteligência está contra mim, e isso tem en-
canto. Desço uma escada no meu interior que se enrola
lentamente e está suspensa de pequenos pormenores.
Tudo o que está nos livros está dentro de mim, desce e
sobe comigo essa escada para que a sabedoria, o sangue,
a luz, cresçam entre o silêncio e a reflexão, criando espa-
ços no tempo, tornando rival de mim a inteligência.
Por vezes, mais que rival, inimiga.
O mais denso dos meus problemas não pesa nada, é um
morto que levita numa clareira cheia de gente. E a minha
inquietação está cheia de rosas que hei-de transformar
em pão. Sinto as dúvidas, as minhas pobres dúvidas, ávi-
das de riqueza, aspiro a ser uma espécie de azul admirá-
vel que chegue para renovar o céu. Mas a inteligência é
burra. Estupendamente burra, e simples, e sincera. Vou
libertar-me dela, nesta hora. Fazer acontecer amor, multi-
plicar por dois o eterno.
Não faz mal nenhum que o eterno seja a dobrar.

JOAQUIM PESSOA, in ANO COMUM (Litexa, 2011)

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