sábado, 28 de abril de 2012
GOZO IV
Que tenhas de mim o contorno incerto
acertado nas linhas do
teu corpo
os dentes nos lóbulos e no pescoço
os lábios
a língua a cobrirem os ombros
MARIA TERESA HORTA, in EDUCAÇÃO SENTIMENTAL III, (Ed. A Comuna, 1975)
O Teu Olhar nos Meus Olhos
Sempre onde tu estás
Naquilo que faço
Viras-te agarras os braços
Toco-te onde te viras
O teu olhar nos meus olhos
Viro-me para tocar nos teus braços
Agarras o meu tocar em ti
Toco-te para te ter de ti
A única forma do teu olhar
Viro o teu rosto para mim
Sempre onde tu estás
Toco-te para te amar olho para os teus olhos.
Harold Pinter, in "Várias Vozes"
EU ONTEM VI-TE
Eu ontem vi-te...
Andava a luz
Do teu olhar,
Que me seduz
A divagar
Em torno de mim.
E então pedi-te,
Não que me olhasses,
Mas que afastasses,
Um poucochinho,
Do meu caminho,
Um tal fulgor
De medo, amor,
Que me cegasse,
Me deslumbrasse
fulgor assim.
ÂNGELO DE LIMA, in POESIAS COMPLETAS (Assírio & Alvim, 1991)
Dá-me a tua mão
Dá-me a tua mão,
Deixa que a minha solidão
prolongue mais a tua
- para aqui os dois de mãos dadas
nas noites estreladas,
a ver os fantasmas a dançar na lua.
Dá-me a tua mão, companheira,
até o Abismo da Ternura Derradeira.
JOSÉ GOMES FERREIRA, in POETA MILITANTE I (Publ. D. Quixote, 1999)
quinta-feira, 26 de abril de 2012
RESPIRO O TEU CORPO
Respiro o teu corpo:
sabe a lua-de-água
ao amanhecer,
sabe a cal molhada,
sabe a luz mordida,
sabe a brisa nua,
ao sangue dos rios,
sabe a rosa louca,
ao cair da noite
sabe a pedra amarga,
sabe à minha boca.
EUGÉNIO DE ANDRADE, in POESIA DE EUGÉNIO DE ANDRADE (Modo de Ler, 2011)
Destino
à ternura pouca
me vou acostumando
enquanto me adio
servente de danos e enganos
vou perdendo morada
na súbita lentidão
de um destino
que me vai sendo escasso
conheço a minha morte
seu lugar esquivo
seu acontecer disperso
agora
que mais
me poderei vencer?
Mia Couto, in "Raiz de Orvalho e Outros Poemas"
quarta-feira, 25 de abril de 2012
JANELA DA SAUDADE
Não quero sentir saudade
Mas olhando da minha janela
Tudo me fala de ti...
O ar que me envolve
Impregnado dos teus aromas
Eleva o meu olhar
Até ao horizonte longínquo
Onde te escondes...
Não quero sentir saudade
Mas a minha janela
Está voltada para o Céu
Em que vives.
as nuvens desenbham formas
Que fazem lembrar o teu rosto
E a chuva que bate na vidraça
És tu chamando por mim...
És brisa aque me beija,
Nuvem que me embala,
Trovão que me desperta...
Não, não quero sentir saudade
Mas não posso fechar a minha janela!
CÉU CRUZ, in PALAVRAS NOSSAS - COLECTÂNEA DE NOVOS POETAS PORTUGUESES (Esfera do Caos, 2011)
domingo, 22 de abril de 2012
ESPERA-ME
Nas praias que são o rosto branco das amadas mortas
Deixarei que o teu nome se perca repetido
Mas espera-me:
Pois por mais longos que sejam os caminhos
Eu regresso.
SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN, in CORAL (1950), in OBRA POÉTICA (Caminho, 2010)
PALAVRA QUE DESNUDO
Entre a asa e o voo
nos trocámos
como a doçura e o fruto
nos unimos
num mesmo corpo de cinza
nos consumimos
e por isso
quando te recordo
percorro a imperceptível
fronteira do meu corpo
e sangro
nos teus flancos doloridos
Tu és o encoberto lado
da palavra que desnudo
MIA COUTO, in RAIZ DE ORVALHO E OUTROS POEMAS (Ed. Caminho, 2009)
ECO
Vagas são as promessas e ao longe,
muito longe, uma estrela.
Cruel foi sempre o seu fulgor:
sonâmbulas cidades, ruas íngremes,
passos que dei sem onde.
Era esse o meu reino, e era talvez essa
a voz da própria lua.
Aí ficou gravada a minha sede.
Aí deixei que o fogo me beijasse
pela primeira vez.
Agora tenho as mãos vazias,
regresso e sei que nada me pertence -
- nenhum gesto do céu ou da terra.
Apenas o rumor de breves sombras
e um nome já incerto que por mágoa
não consigo esquecer.
FERNANDO PINTO DO AMARAL, in POEMAS ESCOLHIDOS 1990-2007 (Pub. Dom Quixote, 2009)
sexta-feira, 20 de abril de 2012
Se Me Esqueceres
Quero que saibas
uma coisa.
Sabes como é:
se olho
a lua de cristal, o ramo vermelho
do lento outono à minha janela,
se toco
junto do lume
a impalpável cinza
ou o enrugado corpo da lenha,
tudo me leva para ti,
como se tudo o que existe,
aromas, luz, metais,
fosse pequenos barcos que navegam
até às tuas ilhas que me esperam.
Mas agora,
se pouco a pouco me deixas de amar
deixarei de te amar pouco a pouco.
Se de súbito
me esqueceres
não me procures,
porque já te terei esquecido.
Se julgas que é vasto e louco
o vento de bandeiras
que passa pela minha vida
e te resolves
a deixar-me na margem
do coração em que tenho raízes,
pensa
que nesse dia,
a essa hora
levantarei os braços
e as minhas raízes sairão
em busca de outra terra.
Porém
se todos os dias,
a toda a hora,
te sentes destinada a mim
com doçura implacável,
se todos os dias uma flor
uma flor te sobe aos lábios à minha procura,
ai meu amor, ai minha amada,
em mim todo esse fogo se repete,
em mim nada se apaga nem se esquece,
o meu amor alimenta-se do teu amor,
e enquanto viveres estará nos teus braços
sem sair dos meus.
Pablo Neruda, in "Poemas de Amor de Pablo Neruda"
uma coisa.
Sabes como é:
se olho
a lua de cristal, o ramo vermelho
do lento outono à minha janela,
se toco
junto do lume
a impalpável cinza
ou o enrugado corpo da lenha,
tudo me leva para ti,
como se tudo o que existe,
aromas, luz, metais,
fosse pequenos barcos que navegam
até às tuas ilhas que me esperam.
Mas agora,
se pouco a pouco me deixas de amar
deixarei de te amar pouco a pouco.
Se de súbito
me esqueceres
não me procures,
porque já te terei esquecido.
Se julgas que é vasto e louco
o vento de bandeiras
que passa pela minha vida
e te resolves
a deixar-me na margem
do coração em que tenho raízes,
pensa
que nesse dia,
a essa hora
levantarei os braços
e as minhas raízes sairão
em busca de outra terra.
Porém
se todos os dias,
a toda a hora,
te sentes destinada a mim
com doçura implacável,
se todos os dias uma flor
uma flor te sobe aos lábios à minha procura,
ai meu amor, ai minha amada,
em mim todo esse fogo se repete,
em mim nada se apaga nem se esquece,
o meu amor alimenta-se do teu amor,
e enquanto viveres estará nos teus braços
sem sair dos meus.
Pablo Neruda, in "Poemas de Amor de Pablo Neruda"
quarta-feira, 18 de abril de 2012
O Amor Antigo
O amor antigo vive de si mesmo,
não de cultivo alheio ou de presença.
Nada exige nem pede. Nada espera,
mas do destino vão nega a sentença.
O amor antigo tem raízes fundas,
feitas de sofrimento e de beleza.
Por aquelas mergulha no infinito,
e por estas suplanta a natureza.
Se em toda a parte o tempo desmorona
aquilo que foi grande e deslumbrante,
o antigo amor, porém, nunca fenece
e a cada dia surge mais amante.
Mais ardente, mas pobre de esperança.
Mais triste? Não. Ele venceu a dor,
e resplandece no seu canto obscuro,
tanto mais velho quanto mais amor.
Carlos Drummond de Andrade, in 'Amar se Aprende Amando'
não de cultivo alheio ou de presença.
Nada exige nem pede. Nada espera,
mas do destino vão nega a sentença.
O amor antigo tem raízes fundas,
feitas de sofrimento e de beleza.
Por aquelas mergulha no infinito,
e por estas suplanta a natureza.
Se em toda a parte o tempo desmorona
aquilo que foi grande e deslumbrante,
o antigo amor, porém, nunca fenece
e a cada dia surge mais amante.
Mais ardente, mas pobre de esperança.
Mais triste? Não. Ele venceu a dor,
e resplandece no seu canto obscuro,
tanto mais velho quanto mais amor.
Carlos Drummond de Andrade, in 'Amar se Aprende Amando'
Viver
Mas era apenas isso,
era isso, mais nada?
Era só a batida
numa porta fechada?
E ninguém respondendo,
nenhum gesto de abrir:
era, sem fechadura,
uma chave perdida?
Isso, ou menos que isso
uma noção de porta,
o projecto de abri-la
sem haver outro lado?
O projecto de escuta
à procura de som?
O responder que oferta
o dom de uma recusa?
Como viver o mundo
em termos de esperança?
E que palavra é essa
que a vida não alcança?
Carlos Drummond de Andrade, in 'As Impurezas do Branco'
era isso, mais nada?
Era só a batida
numa porta fechada?
E ninguém respondendo,
nenhum gesto de abrir:
era, sem fechadura,
uma chave perdida?
Isso, ou menos que isso
uma noção de porta,
o projecto de abri-la
sem haver outro lado?
O projecto de escuta
à procura de som?
O responder que oferta
o dom de uma recusa?
Como viver o mundo
em termos de esperança?
E que palavra é essa
que a vida não alcança?
Carlos Drummond de Andrade, in 'As Impurezas do Branco'
domingo, 15 de abril de 2012
A MORTE DO AMOR
Se eu pudesse voltar atrás
Não te amava.
É tão mais fácil
Manter o coração quieto no peito
Como se todos os dias
E todas as horas fossem iguais.
A inquietação de me faltares
Deixa os meus olhos tristes
Esperando que aceites
A mão que te estendo.
Mas tu não estás.
Eu parti com a última onda
Sem saber se voltarei um dia,
E o caminho que os nossos pés
Juntos percorreram
Choram a saudade
De ter morrido o amor
Quando dissemos adeus.
ANA BRILHA, in A APOLOGIA DO SILÊNCIO (Ed. autor, publicado em 12 Abril 2012)
Não te amava.
É tão mais fácil
Manter o coração quieto no peito
Como se todos os dias
E todas as horas fossem iguais.
A inquietação de me faltares
Deixa os meus olhos tristes
Esperando que aceites
A mão que te estendo.
Mas tu não estás.
Eu parti com a última onda
Sem saber se voltarei um dia,
E o caminho que os nossos pés
Juntos percorreram
Choram a saudade
De ter morrido o amor
Quando dissemos adeus.
ANA BRILHA, in A APOLOGIA DO SILÊNCIO (Ed. autor, publicado em 12 Abril 2012)
Sables mouvants
Démons et merveilles
Vents et marées
Au loin déjà la mer s'est retirée
Et toi
Comme une algue doucement caressée par le vent
Dans les sables du lit tu remues en rêvant
Démons et merveilles
Vents et marées
Au loin déjà la mer s'est retirée
Mais dans tes yeux entrouverts
Deux petites vagues sont restées
Démons et merveilles
Vents et marées
Deux petites vagues pour me noyer.
Jacques Prevert
Vents et marées
Au loin déjà la mer s'est retirée
Et toi
Comme une algue doucement caressée par le vent
Dans les sables du lit tu remues en rêvant
Démons et merveilles
Vents et marées
Au loin déjà la mer s'est retirée
Mais dans tes yeux entrouverts
Deux petites vagues sont restées
Démons et merveilles
Vents et marées
Deux petites vagues pour me noyer.
Jacques Prevert
sexta-feira, 13 de abril de 2012
Poema nº 18
Aqui te amo
Nos sombrios pinheiros desenreda-se o vento
a lua fosforesce sobre as águas errantes
andam dias iguais a perseguir-me.
Desperta-se a névoa em dançantes figuras.
Uma gaivota de prata desprende-se do ocaso.
Às vezes uma vela. Altas, altas estrelas.
Ou a cruz negra de um barco.
Sozinho.
Às vezes amanheço e até a alma está húmida.
Soa, ressoa o mar ao longe.
Este é um porto.
Aqui te amo.
Aqui te amo e em vão te oculta o horizonte
Eu continuo a amar-te entre estas frias coisas
Às vezes vão meus beijos nesses navios graves
que correm pelo mar onde nunca chegam.
Já me vejo esquecido como estas velhas âncoras.
São mais tristes os cais quando fundeia a tarde.
A minha vida cansa-se inutilmente faminta.
Eu amo o que não tenho. E tu estás tão distante.
O meu tédio forceja com os lentos crepúsculos.
Mas a noite aparece e começa a cantar-me
A lua faz girar a sua rodagem de sonho.
Olha-me com os teus olhos as estrelas maiores.
E como eu te amo, os pinheiros no vento
querem cantar o teu nome com as folhas de arame.
Pablo Neruda
Nos sombrios pinheiros desenreda-se o vento
a lua fosforesce sobre as águas errantes
andam dias iguais a perseguir-me.
Desperta-se a névoa em dançantes figuras.
Uma gaivota de prata desprende-se do ocaso.
Às vezes uma vela. Altas, altas estrelas.
Ou a cruz negra de um barco.
Sozinho.
Às vezes amanheço e até a alma está húmida.
Soa, ressoa o mar ao longe.
Este é um porto.
Aqui te amo.
Aqui te amo e em vão te oculta o horizonte
Eu continuo a amar-te entre estas frias coisas
Às vezes vão meus beijos nesses navios graves
que correm pelo mar onde nunca chegam.
Já me vejo esquecido como estas velhas âncoras.
São mais tristes os cais quando fundeia a tarde.
A minha vida cansa-se inutilmente faminta.
Eu amo o que não tenho. E tu estás tão distante.
O meu tédio forceja com os lentos crepúsculos.
Mas a noite aparece e começa a cantar-me
A lua faz girar a sua rodagem de sonho.
Olha-me com os teus olhos as estrelas maiores.
E como eu te amo, os pinheiros no vento
querem cantar o teu nome com as folhas de arame.
Pablo Neruda
quinta-feira, 12 de abril de 2012
BASTAVA-NOS AMAR. E NÃO BASTAVA
Bastava-nos amar. E não bastava
o mar. E o corpo? O corpo que se enleia?
O vento como um barco: a navegar.
Pelo mar. Por um rio ou uma veia.
Bastava-nos ficar. E não bastava
o mar a querer doer em cada ideia.
Já não bastava olhar. Urgente: amar.
E ficar. E fazermos uma teia.
Respirar. Respirar. Até que o mar
pudesse ser amor em maré cheia.
E bastava. Bastava respirar
a tua pele molhada de sereia.
Bastava, sim, encher o peito de ar.
Fazer amor contigo sobre a areia.
JOAQUIM PESSOA, in PORTUGUÊS SUAVE (1979), in 125 POEMAS - ANTOLOGIA POÉTICA (Litexa, 1982)
o mar. E o corpo? O corpo que se enleia?
O vento como um barco: a navegar.
Pelo mar. Por um rio ou uma veia.
Bastava-nos ficar. E não bastava
o mar a querer doer em cada ideia.
Já não bastava olhar. Urgente: amar.
E ficar. E fazermos uma teia.
Respirar. Respirar. Até que o mar
pudesse ser amor em maré cheia.
E bastava. Bastava respirar
a tua pele molhada de sereia.
Bastava, sim, encher o peito de ar.
Fazer amor contigo sobre a areia.
JOAQUIM PESSOA, in PORTUGUÊS SUAVE (1979), in 125 POEMAS - ANTOLOGIA POÉTICA (Litexa, 1982)
segunda-feira, 9 de abril de 2012
No Coração, Talvez
No coração, talvez, ou diga antes:
Uma ferida rasgada de navalha,
Por onde vai a vida, tão mal gasta.
Na total consciência nos retalha.
O desejar, o querer, o não bastar,
Enganada procura da razão
Que o acaso de sermos justifique,
Eis o que dói, talvez no coração.
José Saramago, in "Os Poemas Possíveis"
Uma ferida rasgada de navalha,
Por onde vai a vida, tão mal gasta.
Na total consciência nos retalha.
O desejar, o querer, o não bastar,
Enganada procura da razão
Que o acaso de sermos justifique,
Eis o que dói, talvez no coração.
José Saramago, in "Os Poemas Possíveis"
domingo, 8 de abril de 2012
DÁ-ME UM BEIJO
Dá-me um beijo
nas horas que passam
por este corpo ausente.
E faz do meu tempo
uma presença constante
do brilho dos teus olhos.
És a janela
que abro na madrugada
e me guarda os sonhos;
a chuva que rega
a terra seca dos meus sentimentos
e o sol que brilha na semente que plantas
nos braços que te estendo.
Em ti percorro o caminho
que conduz ao sol poente
e quando a noite chegar
serás a estrela que vou deixar
neste mundo a brilhar.
JOSÉ MARIA ALMEIDA, in AMO UM ANJO ( Culture Print, 2011)
nas horas que passam
por este corpo ausente.
E faz do meu tempo
uma presença constante
do brilho dos teus olhos.
És a janela
que abro na madrugada
e me guarda os sonhos;
a chuva que rega
a terra seca dos meus sentimentos
e o sol que brilha na semente que plantas
nos braços que te estendo.
Em ti percorro o caminho
que conduz ao sol poente
e quando a noite chegar
serás a estrela que vou deixar
neste mundo a brilhar.
JOSÉ MARIA ALMEIDA, in AMO UM ANJO ( Culture Print, 2011)
Dia 231
AMO-TE POR TODAS AS RAZÕES E MAIS UMA
Por todas as razões e mais uma. Esta é a resposta que costumo dar-te quando me perguntas por que razão te amo. Porque nunca existe apenas uma razão para amar alguém. Porque não pode haver nem há só uma razão para te amar.
Amo-te porque me fascinas e porque me libertas e porque fazes sentir-me bem. E porque me surpreendes e porque me sufocas e porque enches a minha alma de mar e o meu espírito de sol e o meu corpo de fadiga. E porque me confundes e porque me enfureces e porque me iluminas e porque me deslumbras.
Amo-te porque quero amar-te e porque tenho necessidade de te amar e porque amar-te é uma aventura. Amo-te porque sim mas também porque não e, quem sabe, porque talvez. E por todas as razões que sei e pelas que não sei e por aquelas que nunca virei a conhecer. E porque te conheço e porque me conheço. E porque te adivinho. Estas são todas as razões.
Mas há mais uma: porque não pode existir outra como tu.
JOAQUIM PESSOA, in ANO COMUM (Litexa, 2011)
Por todas as razões e mais uma. Esta é a resposta que costumo dar-te quando me perguntas por que razão te amo. Porque nunca existe apenas uma razão para amar alguém. Porque não pode haver nem há só uma razão para te amar.
Amo-te porque me fascinas e porque me libertas e porque fazes sentir-me bem. E porque me surpreendes e porque me sufocas e porque enches a minha alma de mar e o meu espírito de sol e o meu corpo de fadiga. E porque me confundes e porque me enfureces e porque me iluminas e porque me deslumbras.
Amo-te porque quero amar-te e porque tenho necessidade de te amar e porque amar-te é uma aventura. Amo-te porque sim mas também porque não e, quem sabe, porque talvez. E por todas as razões que sei e pelas que não sei e por aquelas que nunca virei a conhecer. E porque te conheço e porque me conheço. E porque te adivinho. Estas são todas as razões.
Mas há mais uma: porque não pode existir outra como tu.
JOAQUIM PESSOA, in ANO COMUM (Litexa, 2011)
O TU E O EU NA PAISAGEM
Não é o restolhar do vento.
É a tua lembrança
que se ergue em mim.
Não é a rosa do sol a esfolhar-se.
É a minha boca -sede e romã-
que sangra na tarde.
Não é a noite que desce.
É a sombra dos teus olhos
a fechar o horizonte.
LUÍSA DACOSTA, in A MARESIA E O SARGAÇO DOS DIAS (Asa II, 2011)
É a tua lembrança
que se ergue em mim.
Não é a rosa do sol a esfolhar-se.
É a minha boca -sede e romã-
que sangra na tarde.
Não é a noite que desce.
É a sombra dos teus olhos
a fechar o horizonte.
LUÍSA DACOSTA, in A MARESIA E O SARGAÇO DOS DIAS (Asa II, 2011)
As imagens transbordam fugitivas
As imagens transbordam fugitivas
E estamos nus em frente às coisas vivas.
Que presença jamais pode cumprir
O impulso que há em nós, interminável,
De tudo ser e em cada flor florir?
SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN, in DIA DO MAR (1947), in OBRA POÉTICA (Caminho, 2010)
E estamos nus em frente às coisas vivas.
Que presença jamais pode cumprir
O impulso que há em nós, interminável,
De tudo ser e em cada flor florir?
SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN, in DIA DO MAR (1947), in OBRA POÉTICA (Caminho, 2010)
PEQUENA ELEGIA CHAMADA DOMINGO
O domingo era uma coisa pequena.
Uma coisa tão pequena
que cabia inteirinha nos teus olhos.
Nas tuas mãos
estavam os montes e os rios
e as nuvens.
Mas as rosas,
as rosas estavam na tua boca.
Hoje os montes e os rios
e as nuvens
não vêm nas tuas mãos.
(Se ao menos elas viessem
sem montes e sem nuvens
e sem rios...)
O domingo está apenas nos meus olhos
e é grande.
Os montes estão distantes e ocultam
os rios e as nuvens
e as rosas.
EUGÉNIO DE ANDRADE, in AS MÃOS E OS FRUTOS (1948), in POESIA (Modo de Ler, 2011)
Uma coisa tão pequena
que cabia inteirinha nos teus olhos.
Nas tuas mãos
estavam os montes e os rios
e as nuvens.
Mas as rosas,
as rosas estavam na tua boca.
Hoje os montes e os rios
e as nuvens
não vêm nas tuas mãos.
(Se ao menos elas viessem
sem montes e sem nuvens
e sem rios...)
O domingo está apenas nos meus olhos
e é grande.
Os montes estão distantes e ocultam
os rios e as nuvens
e as rosas.
EUGÉNIO DE ANDRADE, in AS MÃOS E OS FRUTOS (1948), in POESIA (Modo de Ler, 2011)
Se todo o ser ao vento abandonamos
Se todo o ser ao vento abandonamos
E sem medo nem dó nos destruímos,
Se morremos em tudo o que sentimos
E podemos cantar, é porque estamos
Nus em sangue, embalando a própria dor
Em frente às madrugadas do amor.
Quando a manhã brilhar refloriremos
E a alma possuirá esse esplendor
Prometido nas formas que perdemos.
SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN, in POESIA (1944), in OBRA POÉTICA (Caminho, 2010)
E sem medo nem dó nos destruímos,
Se morremos em tudo o que sentimos
E podemos cantar, é porque estamos
Nus em sangue, embalando a própria dor
Em frente às madrugadas do amor.
Quando a manhã brilhar refloriremos
E a alma possuirá esse esplendor
Prometido nas formas que perdemos.
SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN, in POESIA (1944), in OBRA POÉTICA (Caminho, 2010)
sábado, 7 de abril de 2012
A SECRETA VIAGEM
No barco sem ninguém, anónimo e vazio,
ficámos nós os dois, parados, de mão dada ...
Como podem só os dois governar um navio?
Melhor é desistir e não fazermos nada!
Sem um gesto sequer, de súbito esculpidos,
tornamo-nos reais, e de maneira, à proa...
Que figuras de lenda! Olhos vagos, perdidos...
Por entre nossas mâos, o verde mar se escoa...
Aparentes senhores de um barco abandonado,
nós olhamos, sem ver, a longínqua miragem...
Aonde iremos ter? - Com frutos e pecado,
se justifica, enflora, a secreta viagem!
Agora sei que és tu quem me fora indicada.
O resto passa, passa... alheio aos meus sentidos.
- Desfeitos num rochedo ou salvos na enseada,
a eternidade é nossa, em madeira esculpidos!
DAVID MOURÃO-FERREIRA, in A SECRETA VIAGEM (1ª ed., Ed. Távola Redonda, 1950), in OBRA POÉTICA (Ed. Presença, 5ª ed, 2006)
ficámos nós os dois, parados, de mão dada ...
Como podem só os dois governar um navio?
Melhor é desistir e não fazermos nada!
Sem um gesto sequer, de súbito esculpidos,
tornamo-nos reais, e de maneira, à proa...
Que figuras de lenda! Olhos vagos, perdidos...
Por entre nossas mâos, o verde mar se escoa...
Aparentes senhores de um barco abandonado,
nós olhamos, sem ver, a longínqua miragem...
Aonde iremos ter? - Com frutos e pecado,
se justifica, enflora, a secreta viagem!
Agora sei que és tu quem me fora indicada.
O resto passa, passa... alheio aos meus sentidos.
- Desfeitos num rochedo ou salvos na enseada,
a eternidade é nossa, em madeira esculpidos!
DAVID MOURÃO-FERREIRA, in A SECRETA VIAGEM (1ª ed., Ed. Távola Redonda, 1950), in OBRA POÉTICA (Ed. Presença, 5ª ed, 2006)
quinta-feira, 5 de abril de 2012
Dia 186.
Nesta hora a inteligência está contra mim, e isso tem en-
canto. Desço uma escada no meu interior que se enrola
lentamente e está suspensa de pequenos pormenores.
Tudo o que está nos livros está dentro de mim, desce e
sobe comigo essa escada para que a sabedoria, o sangue,
a luz, cresçam entre o silêncio e a reflexão, criando espa-
ços no tempo, tornando rival de mim a inteligência.
Por vezes, mais que rival, inimiga.
O mais denso dos meus problemas não pesa nada, é um
morto que levita numa clareira cheia de gente. E a minha
inquietação está cheia de rosas que hei-de transformar
em pão. Sinto as dúvidas, as minhas pobres dúvidas, ávi-
das de riqueza, aspiro a ser uma espécie de azul admirá-
vel que chegue para renovar o céu. Mas a inteligência é
burra. Estupendamente burra, e simples, e sincera. Vou
libertar-me dela, nesta hora. Fazer acontecer amor, multi-
plicar por dois o eterno.
Não faz mal nenhum que o eterno seja a dobrar.
JOAQUIM PESSOA, in ANO COMUM (Litexa, 2011)
canto. Desço uma escada no meu interior que se enrola
lentamente e está suspensa de pequenos pormenores.
Tudo o que está nos livros está dentro de mim, desce e
sobe comigo essa escada para que a sabedoria, o sangue,
a luz, cresçam entre o silêncio e a reflexão, criando espa-
ços no tempo, tornando rival de mim a inteligência.
Por vezes, mais que rival, inimiga.
O mais denso dos meus problemas não pesa nada, é um
morto que levita numa clareira cheia de gente. E a minha
inquietação está cheia de rosas que hei-de transformar
em pão. Sinto as dúvidas, as minhas pobres dúvidas, ávi-
das de riqueza, aspiro a ser uma espécie de azul admirá-
vel que chegue para renovar o céu. Mas a inteligência é
burra. Estupendamente burra, e simples, e sincera. Vou
libertar-me dela, nesta hora. Fazer acontecer amor, multi-
plicar por dois o eterno.
Não faz mal nenhum que o eterno seja a dobrar.
JOAQUIM PESSOA, in ANO COMUM (Litexa, 2011)
quarta-feira, 4 de abril de 2012
CANÇÃO DA MINHA TRISTEZA
Meu coração não está nas largas avenidas
nem repousa à tarde, para lá do rio.
Nada acontece. Nada. Nem, ao menos, tu
virás despentear os meus cabelos.
Nem, ao menos, tu, neste tempo de angústia
vens dizer o meu nome ou cobrir-me de beijos.
Ah, meu coração não está nas largas avenidas
nem repousa à tarde, para lá do rio.
A cidade enlouquece os meus olhos de pássaro.
Eu recuso as palavras. Sei o nome da chuva.
Quero amar-te, sim. Mas tu hoje não voltas.
Tu não virás, nunca mais, ó minha amiga.
Nada acontece. Nada. E eu procuro-te
por dentro da noite, com mãos de surpresa.
Meu coração não está nas largas avenidas
nem repousa à tarde, para lá do rio.
E tu, longe, longe. Onde estás meu amor,
que não vens despentear os meus cabelos?
Eu quero amar-te. Mas tu hoje não voltas.
Tu não virás, nunca mais, ó minha amiga.
JOAQUIM PESSOA, in CANÇÕES DE EX-CRAVO E MALVIVER (1978), in 125 POEMAS - ANTOLOGIA POÉTICA (Litexa, 1982)
nem repousa à tarde, para lá do rio.
Nada acontece. Nada. Nem, ao menos, tu
virás despentear os meus cabelos.
Nem, ao menos, tu, neste tempo de angústia
vens dizer o meu nome ou cobrir-me de beijos.
Ah, meu coração não está nas largas avenidas
nem repousa à tarde, para lá do rio.
A cidade enlouquece os meus olhos de pássaro.
Eu recuso as palavras. Sei o nome da chuva.
Quero amar-te, sim. Mas tu hoje não voltas.
Tu não virás, nunca mais, ó minha amiga.
Nada acontece. Nada. E eu procuro-te
por dentro da noite, com mãos de surpresa.
Meu coração não está nas largas avenidas
nem repousa à tarde, para lá do rio.
E tu, longe, longe. Onde estás meu amor,
que não vens despentear os meus cabelos?
Eu quero amar-te. Mas tu hoje não voltas.
Tu não virás, nunca mais, ó minha amiga.
JOAQUIM PESSOA, in CANÇÕES DE EX-CRAVO E MALVIVER (1978), in 125 POEMAS - ANTOLOGIA POÉTICA (Litexa, 1982)
terça-feira, 3 de abril de 2012
O Corpo Os Corpos O teu corpo O meu corpo
O Corpo Os Corpos O teu corpo O meu corpo E em vez dos corpos
que somados seriam nossos corpos
implantam-se no espaço novos corpos
ora mais ora menos que dois corpos
Que escorpião de súbito estes corpos
quando um espelho reflecte os nossos corpos
e num só corpo feitos os dois corpos
ao mesmo tempo somos quatro corpos
Não indagues agora se o meu corpo
se contenta só corpo no teu corpo
ou se busca atingir todos os corpos
que no fundo residem num só corpo
Mas indaga sem pausa além do corpo
o finito infinito destes corpos
DAVID MOURÃO-FERREIRA, in OBRA POÉTICA (Ed. Presença, 2001)
que somados seriam nossos corpos
implantam-se no espaço novos corpos
ora mais ora menos que dois corpos
Que escorpião de súbito estes corpos
quando um espelho reflecte os nossos corpos
e num só corpo feitos os dois corpos
ao mesmo tempo somos quatro corpos
Não indagues agora se o meu corpo
se contenta só corpo no teu corpo
ou se busca atingir todos os corpos
que no fundo residem num só corpo
Mas indaga sem pausa além do corpo
o finito infinito destes corpos
DAVID MOURÃO-FERREIRA, in OBRA POÉTICA (Ed. Presença, 2001)
segunda-feira, 2 de abril de 2012
Labirinto ou Alguns Lugares de Amor
O outono
por assim dizer
pois era verão
forrado de agulhas
a cal
rumorosa
do sol dos cardos
sem outras mãos que lentas barcas
vai-se aproximando a água
a nudez do vidro
a luz
a prumo dos mastros
os prados matinais
os pés
verdes quase
o brilho
das magnólias
apertado nos dentes
uma espécie de tumulto
as unhas
tão fatigadas dos dedos
o bosque abre-se beijo a beijo
e é branco
Eugénio de Andrade, in "Véspera da Água"
por assim dizer
pois era verão
forrado de agulhas
a cal
rumorosa
do sol dos cardos
sem outras mãos que lentas barcas
vai-se aproximando a água
a nudez do vidro
a luz
a prumo dos mastros
os prados matinais
os pés
verdes quase
o brilho
das magnólias
apertado nos dentes
uma espécie de tumulto
as unhas
tão fatigadas dos dedos
o bosque abre-se beijo a beijo
e é branco
Eugénio de Andrade, in "Véspera da Água"
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