Canto-te para que tu definitivamente existas Canto o teu nome porque só as coisas cantadas realmente são e só o nome pronunciado inicia a mágica corrente Canto o teu nome como o homem fazia eclodir o fogo do atrito das pedras Canto o teu nome como o feiticeiro invoca a magia do remédio Canto o teu nome como um animal uiva de Como os animais pequenos bebem nos regatos depois das grandes feras Canto-te e tu definitivamente existes nos meus olhos Sempre abertos porque é sempree os meus olhos são os olhos da criança que nós somos sempre diante da imensidão do teu espaço Canto-te e os meus olhos sempre abertos são a pergunta instante pendente de eu te interrogar e interrogo as coisas em seu ser noctumo em seu estar sombriamente presentes na tua claridade obscura E como é sempre meus olhos abertos prescrutam-te símbolo de tudo o que me foge como apertar o ar dentro das mãos e querer agarrar-te oh substância Canto-te com a fragilidade de tudo que existe perante uma eternidade demasiado nocturna para os nossos olhos infantis perante a tua antiguidade futura E a nossa voz é uma pequena onda no dorso do teu oceano de matéria Um leve arrepio apenas na espantosa espessura de teu éter Ah no ar é que tudo acontece no ar nocturno das idades esquecidas que previamente desconheceremos No espaço é que tudo acontece e o espaço é uma grande muito quieta onde os nossos olhos penetram no não sabermos até onde ali além no além onde tudo acontece Oh oh espaço de tudo ser tão ligeiro e impalpável e sermos nós a respiração da teu bafo ritmado imperceptível distância Oh augusta majestática dignidade do silêncio Oh impassibilidade da tua mecânica celeste Oh organismo primeiro de todos os fins secretos da compreensão das coisas Oh inorgânico organismo dos seres que se devoram Oh diz a quem servimos nós de pasto Canto-te como quem pronuncia o Mantra esotérico do teu nome Canto-te e grito para que a poeira que se infiltra em todas as coisas se erga de ti como um plâncton Oh Madre matriz das criaturas inferiores que rastejam a teus pés cobertas de pó esse pó que a cada momento ameaça submergir-nos Oh aranha enorme tecendo tua teia de pó Oh que desintegras tudo e tudo tu constróis Ah como nós lambemos tuas duras mãos Oh que fustigas nossos olhos com tua sombra Enorme Oh que deixas tanto espaço para o silêncio das mil pétalas dos mil braços esplendorosos em seu abandono dos murmúrios dos afagos sangue derramado sobre o mundo Oh Porque és sempre tão premente? e sempre estás ausentemente na tua constância em todas as coisas? Oh sono Oh morte tão desejada e longa mágica povoada de átomos milhões de espíritos enchem o teu sopro E penetras em nós como uma bala E tudo morre quando tu chegas E tudo se dilui e se transforma em ti alada presciência de tudo acontecer tão longe de nós e tão antigamente e tudo nos ultrapassar com soberana indiferença ante os nossos olhos cegos pelo teu negrume Oh brilha para dentro de mim Acende teus luzeiros em meus olhos Ergue teus braços oh prenhe de tudo Oh vaso Oh via láctea de nos amamentares com teu leite de sombra Oh úbere e pródiga Aleita tua ninhada faminta Grande fera luzidia Grande mito Grande deus antigo Oh urna onde todos dormimos Oh Meus olhos choram já de tanto prescrutar-te E canto-te Canto-te Para que tu existas E eu não veja mais nada além de ti E nada mais deseje senão que venhas outra vez levar-me para dentro do teu ventre de nunca mais haver E nada mais haver que Oh tu definitivamente além Ana Hatherly Poemas de Eros Frenético e Contemporâneos um calculador de improbabilidades Quimera, 1ª edição 2001 |
sexta-feira, 16 de setembro de 2011
I - Canto-te
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