sábado, 30 de junho de 2012
Mitiga-se a dor...
Mitiga-se a dor quando te suspendo em memórias e fantasias de nós, mas se corro para me aninhar em ti, fica-me apenas o vazio do teu abraço.
As minhas mãos, côncavas, acolhem-te no que me deste e é como segurar um rio na palma da mão. Vais-te. Estou só. Cobre-me então o véu da melancolia.
MARIA JOÃO SARAIVA, in A DOR QUE ME DEIXASTE, (Trilhos Ed., 2ª ed, 2011)
sexta-feira, 29 de junho de 2012
Quero dizer-te uma coisa simples
Quero dizer-te uma coisa simples: a tua
ausência dói-me. Refiro-me a essa dor que não
magoa, que se limita à alma; mas que não deixa,
por isso, de deixar alguns sinais – um peso
nos olhos, no lugar da tua imagem, e
um vazio nas mãos, como se as tuas mãos lhes
tivessem roubado o tacto. São estas as formas
do amor, podia dizer-te; e acrescentar que
as coisas simples também podem ser
complicadas, quando nos damos conta da
diferença entre o sonho e a realidade. Porém,
é o sonho que me traz a tua memória; e a
realidade aproxima-me de ti, agora que
os dias correm mais depressa, e as palavras
ficam presas numa refracção de instantes,
quando a tua voz me chama de dentro de
mim – e me faz responder-te uma coisa simples,
como dizer que a tua ausência me dói.
NUNO JÚDICE
A memória de ti calma e antiga
A memória de ti calma e antiga
Habita os meus caminhos solitários
Enquanto o acaso vão me oferece os vários
Rostos da hora inimiga
Nem terror nem lágrimas nem tempo
Me separarão de ti
Que moras para além do vento.
SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN, in MAR NOVO (1958) in OBRA POÉTICA (Caminho, 2010)
quinta-feira, 28 de junho de 2012
Gazel do Amor Desesperado
A noite não quer vir
para que tu não venhas,
nem eu possa ir.
Mas eu irei,
inda que um sol de lacraus me coma a fronte.
Mas tu virás
com a língua queimada pela chuva de sal.
O dia não quer vir
para que tu não venhas,
nem eu possa ir.
Mas eu irei
entregando aos sapos meu mordido cravo.
Mas tu virás
pelas turvas cloacas da escuridade.
Nem a noite nem o dia querem vir
para que por ti morra
e tu morras por mim.
Federico García Lorca, in 'Divã do Tamarit'
Tradução de Oscar Mendes
para que tu não venhas,
nem eu possa ir.
Mas eu irei,
inda que um sol de lacraus me coma a fronte.
Mas tu virás
com a língua queimada pela chuva de sal.
O dia não quer vir
para que tu não venhas,
nem eu possa ir.
Mas eu irei
entregando aos sapos meu mordido cravo.
Mas tu virás
pelas turvas cloacas da escuridade.
Nem a noite nem o dia querem vir
para que por ti morra
e tu morras por mim.
Federico García Lorca, in 'Divã do Tamarit'
Tradução de Oscar Mendes
domingo, 17 de junho de 2012
Tem o amor a arte de tornar eterno
Tem o amor a arte de tornar eterno
aquele que por amor tem de morrer
e até de morrer jovem amiúde pois os deuses amam
aquele que perece em plena juventude
e assim se fixa petrifica e permanece
Ruy Belo
quarta-feira, 13 de junho de 2012
EXPLICAÇÃO DA ETERNIDADE
devagar, o tempo transforma tudo em tempo.
o ódio transforma-se em tempo, o amor
transforma-se em tempo, a dor transforma-se
em tempo.
os assuntos que julgámos mais profundos,
mais impossíveis, mais permanentes e imutáveis,
transformam-se devagar em tempo.
por si só, o tempo não é nada.
a idade de nada é nada.
a eternidade não existe.
no entanto, a eternidade existe.
os instantes dos teus olhos parados sobre mim eram eternos.
os instantes do teu sorriso eram eternos.
os instantes do teu corpo de luz eram eternos.
foste eterna até ao fim.
JOSÉ LUÍS PEIXOTO, in A CASA, A ESCURIDÃO ( Temas e Debates, 2002)
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